Nova esperança no tratamento da insuficiência cardíaca

Nova esperança no tratamento da insuficiência cardíaca

Uma equipa de investigadores do i3S, em colaboração com o CNC-UC/CIBB, ICBAS e Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, revelou uma abordagem inovadora inspirada na medicina de rejuvenescimento que poderá transformar o tratamento de uma das formas mais severas de insuficiência cardíaca: a insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (HFpEF).

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Os resultados, publicados na revista Cardiovascular Research e destacados em editorial, abrem caminho a novas terapias para uma condição que afeta milhões de pessoas em todo o mundo e cuja prevalência continua a aumentar.

A HFpEF caracteriza-se por um coração que, apesar de manter a capacidade de bombear sangue, perde a elasticidade necessária para se encher corretamente. Esta rigidez do ventrículo esquerdo traduz-se em sintomas debilitantes – falta de ar, fadiga extrema e incapacidade para realizar tarefas simples – e numa mortalidade comparável à de vários tipos de cancro. Com o envelhecimento populacional e a crescente prevalência de hipertensão, obesidade e diabetes, esta condição está a tornar-se um dos maiores desafios da medicina cardiovascular moderna.

O estudo agora divulgado utilizou um modelo animal que replica fielmente a HFpEF humana em contexto cardiometabólico. Os investigadores observaram uma acumulação significativa de células senescentes – células envelhecidas que deixam de se dividir, mas permanecem ativas e libertam substâncias inflamatórias – no sistema imunitário, nos vasos sanguíneos e no próprio coração. Estas células contribuem para a progressão da doença ao acelerarem processos degenerativos e inflamatórios.

Da esquerda para a direita: Diana Nascimento (i3S e ICBAS) e Lino Ferreira (CNC-UC) lideraram o trabalho ; Elsa Silva (i3S) e Inês Tomé (CNC-UC) são co-primeiras autoras do artigo agora publicado.

A equipa decidiu então testar um fármaco senolítico, capaz de eliminar seletivamente este tipo de células. Os resultados foram surpreendentes: “Após a administração do fármaco senolítico, verificámos um alívio simultâneo dos múltiplos sintomas da HFpEF, ou seja, há um impacto direto na saúde cardiovascular e sistémica”, explica Diana S. Nascimento, coordenadora do estudo no i3S e no ICBAS.

Para Lino Ferreira, investigador do CNC-UC/CIBB e líder de uma das equipas envolvidas, o trabalho “realça o enorme potencial da medicina de rejuvenescimento como abordagem terapêutica para doenças complexas e multifatoriais como a HFpEF”. Já Inês Tomé, investigadora da Universidade de Coimbra, sublinha que o estudo mostra que “é possível intervir diretamente nos mecanismos celulares do envelhecimento para tratar doenças altamente incapacitantes”, contrariando a ideia de que o envelhecimento é um processo imutável.

Relevante também foi a confirmação, em doentes com HFpEF, de níveis elevados de leucócitos senescentes associados a maior gravidade clínica. Esta observação reforça o potencial translacional desta abordagem. Como explica Elsa Silva, investigadora do i3S e primeira autora do artigo, “estamos a transformar o paradigma da terapêutica cardiovascular: não se trata apenas de aliviar sintomas, mas de atuar diretamente sobre os mecanismos celulares do envelhecimento, que estão na origem da disfunção orgânica associada à idade”.

Os autores salientam que este avanço só foi possível graças a uma forte colaboração entre instituições de referência na investigação em envelhecimento, medicina regenerativa e doenças cardiovasculares. As equipas já estão a trabalhar nos próximos passos, que incluem identificar os mecanismos responsáveis pelo envelhecimento precoce no contexto cardiovascular e desenvolver terapias personalizadas com vista à sua futura aplicação clínica.

A descoberta marca um passo decisivo na convergência entre medicina antienvelhecimento e cardiologia, alimentando novas esperanças para milhares de doentes que hoje vivem com uma condição incapacitante para a qual as opções terapêuticas permanecem limitadas.