Farmacêuticos pelo Mundo: Susana Moreira

Farmacêuticos pelo Mundo: Susana Moreira

Susana Moreira foi farmacêutica comunitária em Almada antes de decidir embarcar numa viagem que mudou a sua vida: deixar Portugal e rumar a Moçambique. Agora com 44 anos, está de regresso a Portugal, onde é monitora de Ensaios Clínicos, e esteve à conversa com a SALUS MAGAZINE para partilhar a sua experiência profissional naquele país africano.

Susana Moreira numa visita de campo no âmbito da estratégia da Iniciativa Global de Erradicação da Poliomielite, promovida pela VillageReach e com o apoio da Fundação Bill e Melinda Gates

Quais foram as suas experiências de trabalho em Moçambique?
Fui adjunta da direcção técnica numa clínica privada em Pemba, onde realizava atividades técnicas como processamento de amostras, análises clínicas gestão do dispensário, atividades administrativas, entre outras tarefas.
Fornecei ainda serviços de Consultoria (Freelancer) na área das colheitas de amostras ambientais, fui supervisora do departamento farmacêutico do ICOR (Instituto do Coração), em Maputo. Também ocupei o cargo de Gestora do programa de Transporte de amostras para uma ONG – VillageReach, igualmente em Maputo – e fui Monitora de ensaios clínicos Freelancer para a Clinapharm.

Quando chegou a Moçambique, quais foram as principais diferenças que encontrou?
A idade não é um fator discriminatório ao concorrer para vagas – é visto como experiência e, portanto, é valorizado. Mas a Nacionalidade pode criar barreiras.
Em Portugal se és farmacêutico “só podes trabalhar ou exercer determinadas actividades”. Em Moçambique a tua licenciatura não determina o que podes fazer. Se tens formação na área da saúde, tens conhecimentos e podes abraçar desafios que não sejam necessariamente ligados à farmácia.
Os tipos de projetos que existem são muito diversificados – há possibilidades de trabalhar em projetos que nunca farias na Europa (devido ao tipo de doenças e desafios que existem em Moçambique) e de trabalhares com entidades estrangeiras com uma visão mais abrangente e inovadora.
Questões culturais que impactam a gestão dos recursos humanos, por exemplo com frequência um colaborador tem de se ausentar devido ao falecimento de um familiar. Como os agregados são grandes há “sempre” pessoas a faltar; questões religiosas que determinam dias de descanso diferentes e dificultam a organização das instituições.

Nos Recursos humanos, por exemplo. Em Portugal, num café tens 2 pessoas a atender as mesas, em Moçambique para o mesmo número de mesas tens 10 empregados. O mesmo se passa num hospital privado ou num serviço público (como as Finanças e Segurança Social).
Há também diferenças na forma de encarar o trabalho: em Portugal é tudo para ontem, com prazos e pressão muitas vezes desajustada. Em Moçambique os projetos e decisões arrastam-se – não há muita urgência no trabalho. O que é planeado leva quase sempre o dobro do tempo a ser concretizado. Muitas vezes fui confrontada com falta de brio profissional e “deixa andar”.

Vulnerabilidade e imprevisibilidade no trabalho: a realização de projetos pode ser muito condicionada por eventos políticos como as eleições (mais de 6 meses antes das eleições já não consegues que se reúnam contigo, que tomem decisões – muitas vezes os recursos humanos na saúde estão alocados ao processo eleitoral/campanhas bem como os recursos que seriam utilizados no teu projeto como carros, etc.) ou por exposição às condições climatéricas (pode determinar que o teu projeto acabe antecipadamente ou se arraste), que as pessoas não consigam chegar ao trabalho ou que fiquem doentes – surtos de doenças como cólera, malária, etc…
O que falta fazer para chegar aos standards de qualidade da Europa (no caso de ensaios clínicos, por exemplo) – problemas na cadeia de frio, falta de recursos materiais como impressoras e toners, combustível. Não consegues arranjar os medicamentos que tens em Portugal e os médicos não conhecem alguns dos medicamentos com os quais estamos familiarizados. Muitas vezes tens de adquirir medicamentos com origem duvidosa e a aparência/qualidade não é a melhor. Um problema de saúde pequeno pode tornar-se grande.

O sistema de notificação da farmacovigilância não funciona em Moçambique – fazes uma notificação e não é feito o follow-up.

Do ponto de vista profissional, de que é que teve mais saudades de Portugal enquanto estava a trabalhar em Moçambique?
Da previsibilidade e organização.

Que motivo a levou a regressar?
As minhas filhas, que se encontravam na pré-adolescência, precisavam de autonomia, de saber apanhar um autocarro, de andar sozinhas na rua, de saber atravessar a estrada.
Não estarem tão expostas a comportamentos e realidades que existem em Moçambique e que não as vissem como aceitáveis ou normais, como sejam as diferenças de género, violência (contra animais e pessoas), etc.
A possibilidade de poderem fazer mais coisas como ir a museus, exposições, terem um contacto diário com a cultura europeia.
A idade dos avós – proporcionar que os próximos anos pudessem estar mais presentes nas vidas das netas.

O que gostaria de fazer, em termos de carreira, nos próximos 10 anos?
Continuar a trabalhar com Palop(s) e voluntariado.

De que forma vê a profissão Farmacêutica daqui a 20 anos?
Gostaria que fosse olhada com mais respeito e que se valorizasse o conhecimento vasto que um farmacêutico tem – plasticidade e adaptabilidade. Que não fosse vista como uma profissão limitada à dispensa de medicamentos. Que o farmacêutico fosse enquadrado em equipas multidisciplinares com intervenção ao nível da saúde pública, educação para a saúde. Aproveitar a proximidade e o conhecimento que o farmacêutico comunitário tem e as populações/comunidades onde de está inserido.

Tendo em conta a sua experiência de trabalho noutros países, que medidas tomaria para ajudar a melhorar o Sistema de Saúde português?
Na área dos Ensaios Clínicos aumentava o número de profissionais nos hospitais para dar resposta aos ensaios atempadamente, salários melhores e progressão da carreira para a farmácia hospitalar. E melhores condições físicas. O espaço onde se insere a farmácia no hospital é um local muito pouco apetecível, deprimente até!
Em Farmácia Comunitária melhorava a remuneração (salário base) e a compensação adequada das horas extraordinárias e turnos. Adequação dos turnos (melhor equilíbrio vida/trabalho). Parcerias com escolas, unidades de saúde, lares e onde o farmacêutico pode ter intervenção.

Já tem planos para a reforma?
Viajar, fazer voluntariado e manter-me saudável!