Andrea Matos da Silva: uma Farmacêutica na Distribuição

É natural do Baixo Alentejo e foi estudar para a Faculdade de Farmácia de Lisboa em 2000. Depois de concluir o curso trabalhou em Farmácia Comunitária e após alguns anos passou para a área da distribuição, como Directora Técnica da Profarin. Concluiu uma Pós-Graduação em Gestão e Estratégia Empresarial (ISLA) e outra em assuntos regulamentares (Universidade Fernando Pessoa). No futuro pretende continuar a trabalhar e a estudar na sua área da especialização.

Andrea Matos Silva em viagem de lazer
Andrea Matos Silva no armazém da Profarin

Como foi o seu percurso até iniciar funções na actual empresa?

O meu percurso profissional iniciou-se em farmácia comunitária, tal como acontece com a maioria dos farmacêuticos. Trabalhei cerca de 10 anos nesta área e apesar de gostar do que fazia, sempre achei que o meu perfil se enquadrava mais noutras funções, pelo que fui tentando encontrar oportunidades noutras áreas.

Como é o seu dia-a-dia no trabalho?

O meu dia-a-dia no trabalho é muito preenchido, há sempre algo a fazer. Para além das solicitações que podem vir dos colaboradores do armazém e dos clientes (titulares de AIM e distribuidores que subcontractam serviços de logística ao Operador Logístico onde trabalho), enquanto Directora Técnica e Responsável da Qualidade, tenho de garantir que os requisitos das Boas Práticas de Distribuição são cumpridos no armazém, de forma a assegurar que a qualidade dos medicamentos e de outros produtos de saúde é mantida enquanto estão nas nossas instalações. São várias as tarefas que são da minha responsabilidade como, por exemplo, verificar validades dos produtos e enviar informação ao armazém quando é necessário retirar produtos de stock vendável, monitorizar a temperatura e humidade do armazém e confirmar que estão dentro dos limites previstos, qualificar fornecedores de produtos e clientes e assegurar que têm devidas autorizações para poderem adquirir os produtos, realizar auto-inspecções, formar os colaboradores, monitorizar reclamações e implementar acções correctivas ou preventivas, quando necessário…Apesar de passar muito tempo no computador (a distribuição por grosso é uma área de procedimentos, registos e evidências), tento ter algum tempo disponível para ir ao armazém e acompanhar o trabalho que é realizado in loco, por exemplo, se as caixas de frio estão a ser correctamente preparadas, se os colaboradores estão a realizar as tarefas de acordo com o previsto, como está a correr a etiquetagem de produtos (por alteração de PVP ou colocação de rótulos com a informação em português em cosméticos), verificar se as instalações estão devidamente limpas e organizadas,…

E nas horas livres?

Nas horas livres gosto de estar com a família, ler um bom livro, conhecer novos lugares e novos sabores. Tento praticar algum desporto porque sei que é importante para a minha saúde, não só física mas também mental.

É Directora Técnica de um Operador Logístico de Medicamentos, de Dispositivos Médicos e de outros produtos farmacêuticos, quais são as suas estratégias para manter a sua equipa motivada?

A área da Distribuição é uma área fortemente regulamentada, sendo que é importante garantir que estão que estamos a desempenhar a nossa actividade com qualidade e estamos a cumprir com as Boas Práticas de Distribuição. Praticamente tudo o que acontece no armazém de um distribuidor por grosso está descrito em procedimentos, por isso, os colaboradores têm de ter conhecimento dos mesmos e as actividades têm que ser monitorizadas para que sejam realizadas de acordo com o previsto. Apesar de o dia-a-dia num armazém de distribuição farmacêutica ser semelhante ao de outros armazéns (com recepção de mercadorias, picking, preparação das paletes e expedição, com caixas e paletes), relembro sempre que estamos a trabalhar com medicamentos e que há alguém numa farmácia ou hospital que está a precisar deles, por isso, o nosso trabalho é importante e devemos sempre procurar fazê-lo da melhor forma possível.

Trabalha numa área muito regulada ao nível de procedimentos e requisitos de qualidade. Que alterações gostaria que fossem implementadas no seu sector? Como vê a evolução desta área?

A área da distribuição por grosso continuará a ser muito regulamentada, pelo que a cadeia de distribuição farmacêutica será cada vez mais exigente para assegurar a qualidade, segurança e rastreabilidade dos medicamentos e outros produtos farmacêuticos. Um exemplo disso foi a entrada em vigor do Regulamento dos Falsificados há uns anos e agora o Regulamento dos Dispositivos Médicos, que ainda está em curso e implica vários desafios para todos os stakeholders. Considero que esta área continuará a evoluir, até porque tem de acompanhar o crescimento do mercado farmacêutico nacional e europeu, o que implica desafios em termos de espaço, equipamentos e recursos.

Por que motivo decidiu trabalhar na área da distribuição?

A área da distribuição surgiu um pouco por acaso, apesar de ser uma área que sempre me despertou alguma curiosidade. Estava a trabalhar em farmácia comunitária há já algum tempo e, como referi, procurava uma oportunidade noutra área. Respondi a um anúncio de emprego e acabei por ser seleccionada. A ideia que tinha da área da distribuição estava mais relacionada com a actividade de distribuição por grosso enquanto armazenista. Estes acabam por ter maior visibilidade para os farmacêuticos, tendo em conta que são os fornecedores das farmácias. A realidade de um Operador Logístico é um pouco diferente, porque somos o armazém de titulares de AIM e distribuidores que não têm estruturas de armazenagem próprias e por isso subcontactam o serviço ao Operador Logístico.

Quais são os principais atractivos a nível profissional?

A distribuição é uma área muito dinâmica, em que há muitos desafios e os dias são sempre diferentes. Enquanto Directora Técnica e Responsável da Qualidade tenho também muito trabalho de secretária e muitos papéis (procedimentos, registos, acordos, formações…), pelo que o perfil para esta área tem de ser alguém organizado e que goste deste tipo de trabalho. É uma área em que vão aparecendo algumas ofertas de trabalho e que cada vez tem mais farmacêuticos.

E a nível pessoal?

É uma área que nos permite continuar a aprender e que nos desafia a ser melhores. Destacaria também o horário de trabalho das 9 às 18h, o que permite conciliar com a vida pessoal.

E as maiores dificuldades?

A primeira maior dificuldade é darem-nos a oportunidade de iniciar funções nesta área. Como em outras, pedem experiência profissional, o que muitas vezes não se tem. Também não há muita formação na área da distribuição por grosso, penso que nem a nível da faculdade. Depois se já trabalhamos há algum tempo noutra área, temos de começar com vontade de aprender e resiliência, porque vamos começar (quase) do zero. Não é frequente haver mais que um farmacêutico num distribuidor por grosso (principalmente em empresas mais pequenas), o que significa que haverá uma passagem de pasta e que em breve ficaremos sozinhos a assegurar o trabalho. Isto nos primeiros tempos é muito duro.

Quais foram as situações mais difíceis que presenciou em contexto laboral?

Penso que foram mesmo em farmácia comunitária, por exemplo, situações em que os utentes querem que lhes seja dispensadas benzodiazepinas sem terem receita médica e que acabam por se tornar agressivos quando ouvem um não. Já presenciei algumas destas situações e sei que não são nada fáceis de gerir. A nível da distribuição, destacaria as situações em que temos de arranjar formas de manter a cadeia de frio de um medicamento de frio que foi expedido e que ocorreu algum problema na entrega. Já aconteceu por exemplo termos de ir buscar a caixa de frio ao Porto porque tínhamos o produto de frio num caixa validada para 24 h e o transportador não nos conseguia assegurar a entrega dentro desse tempo.

Das experiências de trabalho anteriores qual destaca como a mais gratificante?

É muito gratificante ver algumas alterações que implementamos a funcionar bem e a permitir um melhor desempenho do armazém e que os colaboradores estão devidamente formados e motivados para as suas funções.

Nunca ponderou sair do país? Chegou a ter algum tipo de proposta?

Nunca ponderei sair do país e não tive qualquer proposta. Sou do Baixo Alentejo e vim estudar para Lisboa e fiquei por cá a trabalhar. Sei o que é estar longe da família, por isso, nunca coloquei a hipótese de estar ainda mais longe…

Como vê a evolução da profissão farmacêutica em termos globais?

Enquanto farmacêutica, espero que tenhamos oportunidade de mostrar o nosso valor enquanto profissionais de saúde, independentemente da área onde exercemos a nossa actividade. Penso que ainda temos um longo caminho a percorrer neste sentido em Portugal e que poderemos aproveitar alguns bons exemplos do que já está a ser feito noutros países da Europa.

Na sua opinião, de que forma os currículos das faculdades de farmácia se deviam adaptar para dotar os futuros farmacêuticos de melhores instrumentos para responder aos novos desafios?

As faculdades de farmácia devem procurar tornar-se mais práticas e preparar os futuros farmacêuticos para o mercado de trabalho. Por exemplo, penso que o curso continua a ser muito teórico, com estágios apenas no final do curso e geralmente em farmácia comunitária e farmácia hospitalar. Era assim na altura em que fui estudante e não sei se evoluímos muito desde então. Penso que seria importante haver um contacto com outras áreas e incluir no currículo novas temáticas que permitam aos futuros farmacêuticos ter ferramentas para novos desafios.

Aconselhava o curso de Ciências Farmacêuticas aos alunos que estão a concorrer à Universidade?

Sim, se considerarem que é essa a profissão que querem ter no futuro. Como todas as profissões tem aspectos interessantes e motivadores e outros que nem tanto. O farmacêutico comunitário acaba por ser a parte mais visível para a sociedade da nossa profissão e é em farmácia que se tem mais oportunidades de emprego, mas há tanto para fazer na nossa área. Tudo depende do perfil, do que se gosta de fazer e das oportunidades que decidimos aceitar.

Andrea Matos Silva no seu escritório da Profarin

Quais são os seus projectos a médio prazo?

Os meus projectos a médio prazo são continuar na área da distribuição e continuar a aprender e estudar nesta área, o que também permite manter-me motivada.

Também gostaria de participar mais em grupos e associações para dar a conhecer a área da distribuição farmacêutica e as Boas Práticas de Distribuição. Um dos objectivos será também fazer a candidatura ao título de especialista em Distribuição Farmacêutica.