Ascensoristas e outras profissões extintas
Artigo de opinião de Tiago Patrício.

O Ascensorista pergunta se pode ajudar e nós temos de dizer que sim e retribuir a cortesia mesmo que não nos apeteça falar com ninguém àquela hora. Depois somos obrigados a indicar o número do piso e a esperar que ele cumpra a tarefa correspondente. Em algumas ocasiões é preciso mostrar uma autorização especial: um cartão com uns códigos ou um carimbo que ele confirma de forma meticulosa, o que torna tudo ainda mais penoso.
Felizmente, o mundo evoluiu e já não estamos dependentes destes senhores obsequiosos para estes trajectos verticais no prédio da nossa empresa ou do nosso domicílio. E não consta que haja mais acidentes nem enganos em elevadores desde que estes profissionais desapareceram das nossas cidades e que se mantêm apenas como adorno em alguns ascensores históricos.
Apesar da comparação forçada, há muitas pessoas que entram em farmácias modernas para comprar os medicamentos habituais e sentem o mesmo constrangimento que os seus antepassados à frente dos ascensoristas: ter de aguardar em pé, com a senha de atendimento na mão, para indicar a alguém de farda o nome do medicamento que conhecem de ginjeira: uma autêntica praxe, uma coisa anacrónica, um teste à paciência de quem até sabe exactamente onde está arrumada a caixinha, assim para o quadrada, com uma cor entre o azul e o verde, naquelas gavetas de cima maiores ou então nas do meio, mais para o lado esquerdo. De modo que o técnico superior com muitos estudos e que serve de intermediário na aquisição do medicamento só dificulta o negócio: se os produtos estivessem ao alcance da mão e pudessem ser facturados de forma automática poupava-se tempo. E tempo é qualidade de vida.
Muito antes do aparecimento dos telemóveis e dos telefones com um mostrador rotativo de dez números era preciso recorrer a uns funcionários que davam seguimento aos pedidos da parte de quem desejava estabelecer uma ligação. Estas pessoas que trabalhavam numa central tinham o monopólio dos telefonemas e podiam, se quisessem, ouvir as conversas privadas e ter acesso a informações confidenciais. Felizmente, este processo evoluiu e agora cada um pode ligar a quem bem entender e à hora que mais lhe convém sem ter de se sujeitar aos humores dos telefonistas que certificavam as chamadas.
Por vezes, quem recebe uma prescrição médica electrónica, com uma série de números de acesso, pensa que também deveria libertar-se da obrigação de interagir com uma pessoa que não conhece de lado nenhum, de fornecer informação sobre a terapêutica e, necessariamente, sobre eventuais patologias ao lado dos outros clientes/doentes/utentes.
Além desta sobre-exposição, é prática corrente entregar o telemóvel ao funcionário de bata branca que toca profusamente no ecrã, sem desinfectar as mãos, e manipula um objecto pessoal caríssimo e com muitos dados sensíveis.
O ponto alto deste paradoxo acontece nas farmácias equipadas com sistemas de dispensa robotizados, em que os funcionários se mantêm em pé enquanto dão instruções através do teclado à espera de que os medicamentos fiquem à disposição. Por vezes, estes profissionais de farmácia fazem perguntas para criar empatia, mas toda a gente sabe que estão a tentar preencher os silêncios ou a preparar-se para nos vender um cosmético de que não precisamos.
Felizmente, vivemos numa altura em que é possível executar uma série de tarefas através de aplicações em que o acesso aos medicamentos passará a ser feito através de um terminal, com inserção dos nossos dados e dos números da receita, seguido da escolha da quantidade, do local de entrega e da forma de pagamento. Quanto às informações sobre a posologia e a forma de tomar, está tudo explicadinho e direitinho na guia de tratamento, no máximo poderá solicitar-se a impressão de uma vinheta na cartonagem.
Poupa-se a nossa paciência e a de uma série de profissionais altamente qualificados que escusam de passar o dia em pé para executar tarefas importantes, mas desnecessárias.
Resumindo: a profissão de dispensador de medicamentos irá tornar-se redundante e será engolida pelas conquistas da robótica, da Inteligência Artificial e dos estafetas que entregam pizzas, parafusos e produtos de limpeza. Tudo isto sem comprometer a segurança nem a adesão à terapêutica, porque a maioria dos medicamentos tem um perfil de segurança elevado e os consumidores sabem aquilo que querem e estão sempre ligados à Internet para esclarecer eventuais dúvidas.
É claro que as profissões duram enquanto houver pessoas que requisitem os seus serviços e se dediquem a perder horas de vida à espera de serem atendidas. E também é verdade que muitos destes profissionais de bata branca ajudam a suprir as dificuldades de acesso aos cuidados de saúde primários e secundários, aos urgentes e não urgentes. E que promovem a educação para a saúde em todas as faixas etárias e segmentos da população, que ajudam as pessoas a lidar com os problemas e com as ansiedades que desregulam a vida pessoal. Também não se pode esquecer que mantêm a porta aberta para ouvir e compreender as preocupações com as doenças e com os efeitos adversos dos medicamentos.
Está comprovado que entre as variáveis mais importantes para o sucesso terapêutico estão as explicações de quem dispensa o medicamento, a adequação do discurso e a confiança de que o tratamento prescrito é o mais correcto para a melhoria dos sintomas.
Além disto, a possibilidade de telefonar ou de regressar à farmácia sempre que sentir necessidade oferece um conforto que permanece muito para lá daquela conversa de alguns minutos ao balcão. É claro que as condições de atendimento devem ser melhoradas para que se possam separar as vendas rápidas das situações de aconselhamento, além da necessidade de criar espaços com mais privacidade para quem procura a ajuda de um profissional generalista.
É certo que nem todos aqueles que atendem ao público têm vocação para ouvir queixas o dia inteiro, mas a empatia deve ser considerada uma função essencial para quem está na primeira linha. Apesar de este aspecto ser abordado de forma ligeira e de estar ausente dos currículos universitários (e de toda a escolaridade obrigatória), a preocupação com o bem-estar dos outros deve ser treinada, nas várias fases da aprendizagem, tal como o raciocínio lógico-dedutivo, a interpretação de gráficos e a informática na óptica do utilizador.
A escuta atenta é a prova de vida mais eficaz dos profissionais que trabalham em farmácia comunitária, porque, de pouco vale a sapiência se a forma de a transmitir não incluir o consolo ou a demonstração de que tudo está a ser feito para ultrapassar as dificuldades de cada um. A modulação da voz e a simpatia são os primeiros medicamentos que os doentes levam para casa, quaisquer que sejam os títulos ou os maus presságios que pairem sobre esta profissão.