Entrevista com Lucas Chambel: O Futuro dos Jovens Farmacêuticos em Portugal e o Objetivo do PACTO
Descubra as perspetivas de Lucas Chambel, presidente da Associação Portuguesa de Jovens Farmacêuticos, sobre o envolvimento dos farmacêuticos no projeto inovador que promete transformar a profissão em Portugal. Leia a entrevista completa para saber que mensagem inspiradora que ele e a sua equipa têm para os profissionais da área.
Qual é a visão da APJF sobre o impacto que o PACTO terá na profissão farmacêutica em Portugal?
De forma geral, um pouco por toda a Europa tornou-se consensual a necessidade de políticas e ações direcionadas à atração, recrutamento, retenção, distribuição, ensino e formação de profissionais de saúde. Vários fatores precipitam o abandono das atividades clínicas e a diminuição da atratividade destas profissões, principalmente entre os mais jovens. Não é um desafio exclusivo da profissão farmacêutica nem da realidade nacional, mas é um fenómeno sobre o qual temos de agir.
Precisamos de audácia e irreverência se queremos ultrapassar desafios crónicos que o setor vai enfrentando.
É verdade que Portugal compara favoravelmente entre os países da União Europeia (EU) ao nível da cobertura farmacêutica, mas, ainda assim, estes grandes desafios também existem na farmácia comunitária. Esta é a área que mais absorve os farmacêuticos na entrada da profissão, mas é também aquela que regista maior movimentação de saída. E isto pode criar constrangimentos no presente e no futuro, principalmente num contexto nacional para o qual é desejável uma maior integração dos farmacêuticos e das farmácias comunitárias no Serviço Nacional de Saúde. O momento que atravessamos mostra-nos que os farmacêuticos, e por consequência as farmácias, são uma pedra basilar para assegurar a sustentabilidade do sistema de saúde e o acesso dos portugueses aos cuidados que mercem.
Acreditamos, por isso, que a criação de uma agenda conjunta entre as principais organizações do setor farmacêutico e da área de farmácia comunitária em particular, a que chamámos de Pacto pela Valorização da Profissão e Atividade do Farmacêutico Comunitário, pode ser um sinal importante para os farmacêuticos comunitários, para o setor e para a sociedade em geral.
Como o PACTO pode ajudar a mitigar os desafios enfrentados pelos farmacêuticos comunitários atualmente?
A Associação Portuguesa de Jovens Farmacêuticos assume a proposta do contributo para a evolução do setor e do país seguindo uma abordagem quase clínica dos problemas estruturais e crónicos do setor da saúde. Acreditamos que antes de passarmos a fase do tratamento, onde as hipóteses terapêuticas são inúmeras, temos de assegurar um correto diagnóstico. É nesta base de pensamento que construímos este estudo que irá servir de base para a prescrição de soluções que vão de encontro às preocupações dos farmacêuticos.
No âmbito do Pacto estamos também a desenvolver este Estudo que esperamos que possibilite um conhecimento mais aprofundado sobre a perspetiva dos farmacêuticos comunitários acerca da sua realidade profissional e que tal permita identificar oportunidades de desenvolvimento das suas condições de trabalho e da atividade em farmácia comunitária. Esta informação não existe hoje em dia e é muito preciosa. Só assim poderemos corresponder às justas aspirações dos farmacêuticos.
Gostaríamos que o Pacto fosse uma base de entendimento comum e transversal às principais organizações representativas da profissão e do setor.
Desta forma, pode tornar-se a base para o desenho e implementação de ações, incluindo iniciativas e projetos conjuntos e colaborativos, que contribuam para o desenvolvimento da profissão e da farmácia comunitária em Portugal, e que promovam a melhoria das condições de trabalho dos farmacêuticos comunitários. Em última instância, ao consensualizar e defender uma visão conjunta para o futuro da atividade do farmacêutico e da farmácia, estamos certamente a garantir um modelo de farmácia comunitária e de intervenção farmacêutica que serve melhor as pessoas com doença e a população em geral.
Quais são os principais objetivos que a APJF espera alcançar com a implementação deste pacto?
O principal objetivo é promover o desenvolvimento pessoal, profissional e social dos farmacêuticos comunitários. Sabemos que, para isto, se torna necessário aprofundar a intervenção do farmacêutico e da farmácia comunitária no sistema de saúde. A valorização da atividade dos farmacêuticos não serve apenas a profissão, serve os portugueses que sabem que só assim podem ter acesso à saúde. São gerações de confiança depositada que merecem agora o compromisso do setor.
Os farmacêuticos comunitários desejam, acima de tudo, prestar cuidados e serviços mais diferenciados às populações que servem e sentirque a comunidade, os pares e as chefias os valorizam por isso.
Obviamente que os farmacêuticos, como profissionais altamente diferenciados, também têm aspirações quanto às suas condições de trabalho, à semelhança do que acontece com outras profissões de saúde. Precisamos de estimular e de generalizar medidas que promovam a conciliação entre a vida familiar e profissional, mas também estratégias de valorização salarial e de aumento do rendimento disponível para os farmacêuticos, como forma de garantir a atração e retenção de talento nas farmácias comunitárias. Para isto, têm de ser dadas garantias de sustentabilidade às farmácias comunitárias, que por sua vez devem prosseguir um aumento continuado dos salários, em linha com o aumento do salário médio e com os objetivos traçados no Acordo Tripartido 2025-2028 sobre a Valorização Salarial e o Crescimento Económico que o Governo firmou com as confederações sociais e patronais. Este acordo define como objetivo elevar o salário médio para os 1.890 euros em 2028. Para garantirmos que as farmácias comunitárias continuam a servir a saúde da população, é essencial conseguirmos que os salários dos farmacêuticos se mantenham competitivos face à realidade nacional e da própria profissão, que tem outras saídas e oportunidades de emprego.
E claro, é preciso também garantir que as farmácias comunitárias se afirmam como ambientes de trabalho seguros e saudáveis para os seus próprios profissionais, com ações e programas concretos dirigidos à prevenção e combate do burnout, do assédio e da violência sobre profissionais de saúde.
Como a APJF planeia envolver as entidades relevantes do setor farmacêutico para garantir o sucesso do PACTO?
Apresentámos às principais organizações representativas dos farmacêuticos e da farmácia comunitária o desafio de se associarem ao Pacto, seja através da sua construção e consensualização, da sua assinatura ou da divulgação do inquérito. Com a assinatura do Pacto, a APJF e todas as entidades envolvidas – e outras que se queiram associar numa fase posterior – assumem o compromisso, para com a classe farmacêutica e o setor, de desenvolver medidas, ações e soluções para responder aos princípios do Pacto. Portanto, o trabalho não termina com a apresentação do Estudo e a assinatura conjunta, mas será, sim, a base e o ponto de partida para o desenvolvimento de ações conjuntas e colaborativas entre as organizações que representam a profissão e a farmácia comunitária.
Neste momento, já temos a manifestação de interesse da generalidade dos parceiros e estamos confiantes. Acreditamos que existe um consenso alargado entre todas as organizações quanto à necessidade de promover medidas que garantam a atração e retenção de farmacêuticos comunitários, em particular os mais jovens, nas farmácias, mas também que estimulem a diferenciação da atividade farmacêutica e dos serviços e cuidados prestados nas farmácias.
Que papel o inquérito desempenha na formulação das estratégias do PACTO?
Pretendemos começar por promover a realização de um estudo com o objetivo de avaliar a perceção dos farmacêuticos comunitários sobre as suas condições de trabalho e de exercício da sua atividade profissional, bem como a sua satisfação e perspetivas sobre a profissão farmacêutica e sobre o setor. O questionário, validado através de um método eDelphi adaptado, é dirigido a farmacêuticos comunitários e farmacêuticos que tenham exercido atividade profissional em farmácia comunitária nos últimos cinco anos e estará disponível durante o próximo mês. Permitam-me que sublinhe que é para todos estes, independentemente da sua idade. Este questionário permitirá gerar evidência sobre várias dimensões para as quais não existem dados disponíveis e, com isto, garantir que o Pacto, e as medidas conexas e subsequentes, respondem verdadeiramente às necessidades e aspirações dos farmacêuticos comunitários.
Gostaríamos que os resultados deste estudo fossem apresentados num evento público e que se constituíssem como a base para a discussão e assinatura de um memorando de entendimento entre várias entidades do setor com medidas e objetivos para o desenvolvimento da profissão farmacêutica na área de farmácia comunitária.
Existem planos para expandir esta iniciativa para outras áreas da saúde?
A APJF, ao longo dos seus trinta e cinco anos de existência, procurou sempre contribuir positivamente para o desenvolvimento e evolução do setor e da profissão farmacêutica. Estamos empenhados em continuar a fazê-lo. Neste momento estamos muito focados nesta iniciativa, mas temos outras atividades em curso, como é o caso da nossa participação na Plataforma de Jovens Profissionais de Saúde, que reúne as nossas congéneres que representam várias classes profissionais. Temos um documento de consenso que reflete a visão dos jovens profissionais de saúde para o Serviço Nacional de Saúde e para o sistema de saúde português que já apresentámos a alguns partidos políticos e à própria Ministra da Saúde. Gostaríamos agora de ver nascer medidas e soluções concretas neste âmbito.
Quanto ao futuro e a outras iniciativas, veremos. Mas estamos altamente empenhados.
Como vê o papel dos farmacêuticos comunitários no contexto do Serviço Nacional de Saúde em Portugal?
Há dois anos atrás a APJF lançou o Livro Branco “A Visão dos Jovens Farmacêuticos Portugueses para a Década”. A visão que mais de cem jovens farmacêuticos construíram é muito clara e mantém-se atual. Os farmacêuticos são, muitas vezes, o primeiro ponto de acesso dos cidadãos a cuidados de saúde primários e, frequentemente, no seguimento posterior à alta do internamento, de um episódio de consulta hospitalar ou de urgência.
Por este motivo a intervenção dos farmacêuticos, devidamente integrada e estruturada, é crítica, principalmente em pessoas com perfis de saúde mais complexos, com multimorbilidade e polimedicadas.
Nos últimos anos, verificaram-se avanços importantes na evolução da atividade farmacêutica, com ganhos reconhecidos para a população e para o sistema de saúde, nomeadamente ao nível da vacinação sazonal, da intervenção em programas de rastreio com recurso a testes point-of-care e da dispensa de medicamentos hospitalares em proximidade. Portugal é uma referência internacional. Estes são passos no caminho certo, que só foram possíveis de dar porque, sempre que foram chamados, os farmacêuticos e as farmácias souberam responder de forma adequada aos desafios.
O futuro é uma maior integração dos farmacêuticos comunitários. Não é possível resolver os grandes desafios do sistema de saúde português, como o excesso de afluência aos serviços de urgência (SU) de situações não urgentes e o número de utentes sem médico de família, sem aproveitar os 11.000 farmacêuticos comunitários que estão de Norte a Sul do país. São profissionais altamente diferenciados – uma formação universitária de cinco anos – que estão muito próximos da população enquanto resposta complementar. Defendemos, por exemplo, a criação da figura do farmacêutico de referência para cada cidadão com necessidade de acompanhamento mais diferenciado e a atribuição não só de um maior papel dos farmacêuticos na referenciação e na transição entre diferentes níveis de cuidados de saúde, mas também no tratamento e gestão de situações clínicas ligeiras, como já acontece, por exemplo,no Reino Unido e em França.
Que mensagem o senhor gostaria de transmitir aos farmacêuticos que estão considerando participar deste projeto?
Que confiem no futuro e se mobilizem. E que vivam na certeza de que as organizações que os representam encontrarão pontes de diálogo para construir um caminho comum que teremos todos de percorrer. E, mais importante ainda, de que o valor e futuro da profissão está em cada interação que têm com cada pessoa, e isto é uma responsabilidade enorme.
Todos nós, enquanto profissionais de saúde, temos uma missão. É pelos portugueses que, todos os dias, assumimos um compromisso inabalável com a profissão. Que não nos falte coragem para discutir e fazer pontes para que amanhã sejamos ainda mais úteis e valorizados.
Participem no estudo no SITE