Farmacêuticos, bombeiros e taxistas
Artigo de Opinião de João Rafael Gonçalves, Farmacêutico
Desde 2014 que os taxistas enfrentam a concorrência de empresas de TVDE. Durante anos a acumular experiência e com uma frota bem distribuída no território, os taxistas viram-se forçados a partilhar o seu espaço. Qual dos concorrentes é melhor não importa aqui esclarecer. A verdade é que o embate dos taxistas teria sido menos penoso se tivessem incorporado os sinais dos tempos na sua estratégia. É preciso antecipar. Sem essa visão estratégica, as forças ficam mais próximas das fraquezas.
Os bombeiros estão no lado oposto dos taxistas. A diferença não resulta da ausência de concorrência, mas sim da capacidade de antecipar e de melhorar continuamente. Na verdade, até poderíamos considerar a existência de concorrentes aos bombeiros (militares, polícias), mas a capacidade de organização e formação dos vários corpos de bombeiros permite-lhes terem um espaço e funções próprias. Os bombeiros são uma profissão com cada vez mais profissões e formações dentro. Se, por um lado, a profissionalização é cada vez maior, também é verdade que ingressam cada vez mais jovens qualificados que acumulam a vida de bombeiro com outra profissão. O resultado está à vista: os bombeiros operam em cenários tão diversos como inundações, incêndios ou emergência pré-hospitalar com o reconhecimento que todos sabemos.
Os farmacêuticos têm duas características em comum com os taxistas: estão proporcionalmente distribuídos no território (através da rede de farmácias) e conhecem muito bem as populações que servem.
Se é certo que os farmacêuticos não são a farmácia (mas a farmácia não existe sem farmacêuticos), a verdade é que as farmácias têm evoluído de forma excecional: diversificação de produtos e serviços, melhoria das instalações e sistemas operativos e excelente distribuição no território. É justo dizer-se que os principais construtores deste feito são os farmacêuticos.
No entanto, a evolução dos farmacêuticos comunitários não acompanha a evolução das farmácias. Mesmo sendo uma classe jovem e altamente qualificada, o desaproveitamento dos farmacêuticos comunitários é uma realidade. O desaproveitamento começa nas direções das farmácias e seus representantes, com prejuízo para as próprias farmácias.
Enquanto o racional de gestão das farmácias não compreender que farmacêuticos bem preparados científica e clinicamente aumentam o rendimento, a perda continua. Exemplos de soluções: i) uma estratégia coordenada (academia, OF, representantes de farmácias) para a criação de um plano de formação coerente, com evidência prática, alavancado por profissionais idóneos e com avaliação exigente, para que possamos ter farmacêuticos comunitários que saibam cuidar através do medicamento; ii) apoio à investigação (isenção de propinas, cedência de dados) com maior ajustamento da investigação às necessidades da prática profissional.
Se esta aposta não acontecer, podemos desaproveitar as oportunidades que surgem (i.e., renovação da prescrição, o acesso a dados de saúde, notas terapêuticas), com aumento da erosão que já se verifica entre os farmacêuticos comunitários.
A diferença entre antecipar e capacitar é aquela que distingue taxistas de bombeiros. Nós temos quase tudo (as condições operacionais, a formação principal, a confiança das populações). Podemos ser mais do que um nome interessante para o marketing. Podemos direcionar a nossa capacidade de adaptação para além daquela que já temos quando sabemos das decisões ao mesmo tempo que as implementam.
Temos um pouco de bombeiros (quantos “fogos” apagamos todos os dias) e um pouco de taxistas (longas viagens-conversa ou deslocações a casa para que o cuidado não falhe), mas queremos ser farmacêuticos, plenamente farmacêuticos.