Farmacêuticos pelo mundo: Miriam Silva
Miriam Silva foi para Inglaterra assim que terminou o curso. Desde então, passou por diferentes países, integrando até uma missão dos Médicos Sem Fronteiras na República Democrática do Congo. Depois de um ano em Portugal, como farmacêutica num projeto inovador em Unidades de Saúde Familiar, decidiu voltar ao Reino Unido para trabalhar em Farmácia Clínica na cidade de Cambridge.
Como foi o seu percurso profissional até chegar a Cambridge?
Vim para Inglaterra pouco depois de acabar o curso. O meu primeiro emprego foi para a Boots (uma cadeia de farmácias comunitárias). Mas entretanto, já trabalhei em vários países, incluindo República Democrática do Congo, Mianmar, Uganda, e também voltei a trabalhar em Portugal durante um ano, na Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo.
Quais são as principais diferenças que identifica entre Portugal e o Reino Unido?
A intervenção clínica do farmacêutico no Reino Unido está estabelecida e não causa surpresa a ninguém. Os médicos, especialmente no hospital estão habituados a ver as suas prescrições questionadas e emendadas por farmacêuticos. Em farmácia clínica, as oportunidades em termos de emprego e formação são mais abundantes e em expansão contínua. Nos últimos quatro anos, milhares de farmacêuticos foram integrados nos cuidados primários, e a expectativa do sistema é que todos estes tenham formação para prescrever em 2025.
Na sua experiência, quais foram as situações mais estranhas que presenciou?
Pré-prescrição elétronica nos hospitais, os farmacêuticos tinham uma caneta verde, para rabiscar na prescrição médica. Alguns adoravam a sua caneta-polícia, e a prescrição tornava-se maioritariamente verde, com emendas, sugestões e alertas.
Também trabalhou com os Médicos Sem Fronteiras (MSF). Que tarefas tem uma farmacêutica numa missão desta natureza?
Nas missões em que trabalhei com a MSF o farmacêutico funciona como um intermediário entre o pessoal clínico e pessoal logístico. Alguém que percebe como as coisas se passam no hospital, mas também como se passam no armazém. Resumindo, é preciso preencher a papelada com precisão para que haja medicamentos, material médico e de laboratório quando o doente precisa deles. As cadeias logísticas são longas e têm muitíssimos e variados obstáculos (estação da chuvas, tempos de entrega, conflitos, etc.).
Quanto tempo passou em Katanga, na Republica Democrática do Congo? Quais foram as maiores dificuldades que encontrou?
Esta foi a minha primeira missão e foi bastante curta, apenas quatro meses em vários locais, o que foi parte do problema. A outra parte foi falta de formação para as tarefas em causa. Diria que muitas pessoas têm o sonho de “ajudar em África”, mas é necessário ter formação e experiência adequada entre outras características. Caso contrario, é uma experiência enriquecedora para a própria pessoa, mas contribui pouco para o verdadeiro objectivo. Em defesa da MSF, são geralmente bastante profissionais.
A partir das suas experiências profissionais noutros países, que medidas considera que seriam adequadas para melhorar o Sistema de Saúde português?
O Sistema Nacional de Saúde inglês está igualmente enfraquecido pela pandemia, a somar o envelhecimento populacional e o financiamento inadequado. Sem abordar realmente estas questões de fundo, mas pensando no dia a dia: sistemas de informação de qualidade acessíveis ao nível dos centros de saúde que possibilitem fazer uma gestão de saúde populacional. Na prática, passando de um modelo reativo para um que planeia a atividade e prioriza grupos de acordo com os seus indicadores de saúde.
O que é que funcionava bem em Portugal e não existe ou não funciona no seu trabalho atual?
Em Inglaterra, as reformas estruturais sucedem-se. Por um lado, mostra um sistema que não teme a mudança, mas que, por outro lado, desconfia que os benefícios anunciados nunca cheguem a realizar. Na penúltima reforma criaram agrupamentos de centros de saúde, o que em Portugal já existe há muitos anos. Como são estruturas jovens, sofrem de várias dores de crescimento.
O regresso a Portugal faz parte dos seus planos? Em que circunstâncias?
É possível. Uma das dificuldades é o fato da minha experiência profissional e académica não ser reconhecida em termos de ordenado, porque não segue o trajeto convencional da carreira farmacêutica em Portugal na função pública. Mas, se algum leitor tiver sugestões…