Farmacêuticos pelo mundo: Ricardo Ferreira
Ricardo Ferreira, 43 anos, mudou-se com a família para a Suécia, em 2017, depois de concorrer a uma bolsa de Pós-Doutoramento. Em Portugal trabalhou vários anos como Farmacêutico Adjunto numa farmácia comunitária e foi bolseiro da FCT num projeto sobre Química Medicinal e Terapêutica na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.
Como foi parar a Lund, na Suécia?
Em 2017, e face à decisão do Governo de então de não abrir bolsas de Pós-Doutoramento nesse ano (aliado ao facto da aprovação dos projetos pela FCT estar imensamente atrasada), nós, em conjunto com a minha esposa, tomámos a decisão de concorrer a posições de Pós-Doutoramento fora do país. Após alguns meses tive a sorte de conseguir uma posição em Uppsala, na Suécia a norte de Estocolmo, para trabalhar em química computacional. Por lá ficámos dois anos a contrato (nas instituições suecas existe um limite de 2 anos, após o qual o trabalhador tem de ser integrado nos quadros) e mais um ano como bolseiro de Pós-Doutoramento. Já em 2021, durante o verão tive algumas entrevistas de emprego (sempre na Suécia) mas sem resultado. Em outubro, sou contactado pelo CEO da empresa onde me encontro atualmente (fui referenciado por alguém com o qual havia tido uma entrevista anteriormente). Era um desafio aliciante, pois na altura a empresa carecia totalmente de infraestruturas computacionais a todos os níveis. Após algumas reuniões, assinei o contrato de trabalho a termo incerto. Comecei em dezembro de 2021 a montar toda a infraestrutura computacional, instalação de software especializado, dar apoio aos projetos de clientes em termos de química computacional e como “backup” da infraestrutura de IT. Atualmente sou também o gestor da infraestrutura de R&D IT.
Quais foram as principais dificuldades que encontrou?
Estar longe da família e os dias realmente longos (luz do sol desde as 4h até às 23h) ou o frio do inverno (chegámos a ter -22º em Uppsala). Quanto ao domínio da língua não é especialmente importante no trabalho (todos falam inglês e muitos dos investigadores não são suecos), mas é bastante importante para facilitar a entrada na sociedade sueca (ir às compras, ao café etc.).
Como é o seu dia-a-dia na Suécia? E quando não está a trabalhar?
O dia-a-dia é completamente diferente do habitual em Portugal. Por exemplo, é desencorajado o trabalho fora das horas normais de expediente (vulgo horas extras). A empresa onde me encontro é de média dimensão (mais de 60 empregados) e a equipa de gestão faz questão de conhecer todos os trabalhadores, de tentar perceber os desafios e mitigar quaisquer dificuldades na integração. Até bem recentemente, todos os meses existia uma reunião geral onde a situação da empresa era dada a conhecer a todos os empregados (atualmente é de três em três meses). É um ambiente relaxado, mas bastante profissional, onde os empregados convivem cerca de 30 min todos os dias para aliviar o “stress” e fomentar as relações interpessoais – o chamado “fika”. Entro todos os dias por volta das 8h30 (após deixar os meus filhos na escola) e saio entre as 16h00-16h30. Eu, em particular tenho uma maior flexibilidade no horário de trabalho uma vez que posso monitorizar o meu trabalho remotamente. As horas livres são passadas com os filhos, por vezes indo a parques de diversão (existem abundantemente por toda a cidade) ou não menos vezes em casa a brincar. Raramente existem e-mails fora do horário de trabalho (o direito a desligar funciona em pleno por aqui). Muito recentemente, parte dos meus tempos livres eram passados no SFI – Svenska för Invandrare –, ou seja, aula de sueco para adultos estrangeiros.
Quais foram as situações mais difíceis que presenciou em contexto laboral?
As situações mais difíceis que presenciei, infelizmente, foram todas em Portugal. Enquanto farmacêutico, os horários de trabalho incluíam fins-de-semana e feriados, muitas vezes com intervalos prolongados, o que tornava difícil a vida familiar. Como bolseiro, além de os valores das bolsas não serem atualizados, os orientadores “exigiam” muito trabalho extra, sem direito a desligar (com muitos e-mails e telefonemas fora do horário normal de trabalho). Cheguei a presenciar muitas vezes verdadeiras situações de assédio e completa desvalorização do trabalho do bolseiro, sobretudo porque em muitos casos os mesmos já não realizavam trabalho de laboratório há bastantes anos. No meu caso, felizmente, posso dizer que fui um “privilegiado” porque nenhuma dessas situações sucedeu comigo (e nas poucas ocasiões em que isso esteve para acontecer, consegui evitar que se prolongasse no tempo).
A partir das experiências de trabalho noutros países, que medidas tomava para melhorar o Sistema de Saúde português?
Sinceramente, a verdadeira integração das farmácias no Sistema de Saúde, em que o dono seria o Estado, ou alguma(s) cadeia(s) multinacional(is) (como no Reino Unido ou na Suécia) seria vantajoso para evitar situações de diretores técnicos sem escrúpulos que apenas visam o lucro ou a posse de inúmeras farmácias. Na Suécia, por exemplo, não existe comparticipações “no verdadeiro sentido do termo”: o que existe são vários plafonds com comparticipações crescentes, em que acima de um determinado valor todos os medicamentos passam a ser gratuitos até ao fim do ano. Por exemplo, a partir das SEK1300 (~112 euros) todos os medicamentos passam a 50% comparticipados, e acima dos SEK2600 (~225 euros) a comparticipação para TODOS os medicamentos sujeitos a comparticipação é de 100%. Acho uma medida que talvez funcionasse bastante bem em Portugal, e que talvez evitaria bastantes situações de abuso.
O que é que funcionava bem em Portugal e não existe ou não funciona no seu trabalho atual?
É difícil encontrar um termo de comparação porque as experiências profissionais em ambos os países são bastante distintas, mas assim de cabeça não me recordo de nada. Não é que funcione tudo melhor na Suécia, mas nada em Portugal (relativamente a emprego/empregabilidade) supera as condições em que me encontro atualmente.
O regresso a Portugal está nos seus planos de futuro? Em que circunstâncias?
Infelizmente não. Não no futuro mais próximo, uma vez que os meus filhos se encontram perfeitamente integrados na sociedade sueca e não vislumbro melhores oportunidades de emprego em Portugal.
Como vê a evolução da profissão farmacêutica?
Com uma perspetiva negativa, infelizmente. Eu ainda hoje gosto da profissão farmacêutica dos meus anos iniciais, e sinto sobretudo falta do contacto com os utentes (acho que era uma das nossas melhores qualidades, que nos enchia de orgulho em sermos farmacêuticos). Atualmente acho que a profissão farmacêutica em Portugal está estagnada e as farmácias são autênticos negócios, mais virados para o lucro do que para o utente. Pelo que percebo na Suécia não é muito diferente, mas podíamos importar algumas das ideias implementadas no Reino Unido.
Que projetos tem a médio prazo?
Neste momento, contribuir para o crescimento da empresa onde me encontro e valorizar mais a vida familiar, uma vez que a minha esposa se encontra em Pós-Doutoramento em Gotemburgo (a 300km de Lund).