Farmacêuticos pelo Mundo: Teresa Salgado

Licenciou-se na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, passou pelo Reino Unido e pela Austrália e acabou por se estabelecer nos Estados Unidos como diretora do Centro de Inovação em Farmácia Prática, na Virginia Commonwealth University. Reside em Richmond com a sua família.

Teresa Salgado com a equipa do Centro de Inovação em Farmácia Prática sediado na Virginia Commonwealth University (VCU)

Como foi o seu percurso até chegar à School of Pharmacy na Virginia Comonwealth University?

O meu percurso foi bastante linear, no sentido que sempre soube que queria fazer um doutoramento. Concluí o Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas pela Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa (FFUL) em 2008, trabalhei alguns meses em farmácia comunitária (que, devo dizer, adorei!) e iniciei o Doutoramento na FFUL em Abril de 2009, com financiamento da Fundação Para a Ciência e Tecnologia (FCT) e sob a supervisão do meu mentor e amigo, Prof. Dr. Fernando Fernandez-Llimos. O meu projeto centrou-se no papel dos farmacêuticos em doentes renais a receber hemodiálise e foi conduzido em colaboração com a Universidade de Sydney, Austrália, onde passei 6 meses no ano de 2010. Uns meses antes de terminar o doutoramento, em 2013, surgiu a oportunidade de trabalhar como farmacêutica hospitalar no Hospital Beatriz Ângelo, onde permaneci durante um ano e meio. Mas, apercebi-me que a minha paixão era a academia e investigação em farmácia prática e aceitei o desafio de realizar um programa pós-doutoral de dois anos na Universidade do Michigan, entre 2014-2016. Assim que completei o pós-doutoramento, fui contratada como professora auxiliar (Assistant Professor) na Virginia Commonwealth University (VCU) School of Pharmacy, uma das 20 melhores escolas de farmácia dos Estados Unidos. Na mesma altura, fui convidada a integrar o Center for Pharmacy Practice Innovation da VCU School of Pharmacy como Diretora Assistente, sendo em 2022 nomeada Diretora do Centro. Em Julho 2024, fui promovida a professora associada com agregação (Associate Professor with tenure), um passo muito importante na carreira académica de um professor.

Quais foram as principais razões que motivaram a sua saída de Portugal?

Desde muito cedo, que durante o meu percurso académico na Faculdade de Farmácia, sonhava vir para os Estados Unidos por ser um país em que a prática de farmácia estava bastante avançada. Como referi, após concluir o Doutoramento e trabalhar em farmácia hospitalar, apercebi-me que o meu projeto profissional passava por carreira de investigação e ensino. Decidi então dedicar-me a investigar a prática de farmácia e contribuir para a profissão de uma forma mais alargada. Durante o meu percurso académico, passei várias temporadas fora de Portugal – primeiro no Reino Unido (Londres), depois na Austrália (Sydney), e finalmente nos Estados Unidos (Ann Arbor, MI). A minha saída de Portugal aconteceu naturalmente, em virtude das oportunidades que foram surgindo após concluir o meu pós-doutoramento no Michigan. A verdade é que encontrei nos Estados Unidos melhores oportunidades profissionais e de progressão de carreira, melhores condições de vida e uma maior flexibilidade para conciliar o trabalho e a vida pessoal e familiar, que para mim, neste momento, é determinante.

A Virgínia foi a sua primeira escolha? Que outras propostas teve?

Na altura em que me candidatei a posições académicas nos Estados Unidos, recebi convites para entrevistas em quatro delas, das quais resultaram duas ofertas. Escolhi a VCU pela oportunidade de integrar o centro de investigação que neste momento dirijo – Center for Pharmacy Practice Innovation – e conduzir investigação em farmácia prática que foi sempre o meu objetivo. Além da componente profissional, a forma como fui recebida durante o processo de seleção foi determinante na escolha. O ambiente dentro da escola é muito próximo e familiar, e isso faz a diferença. Uma curiosidade interessante é que o diretor da faculdade que me contratou, o Dr. Joseph DiPiro, é também o editor de um dos livros mais conceituados e utilizados pelos estudantes de farmácia.

Quais foram os principais desafios com que se deparou quando se mudou para os Estados Unidos?

O principal desafio foi recomeçar a vida num outro país que é muito diferente de qualquer país europeu. Desde simples aspetos da vida diária como as unidades de medida, a aspectos relacionados com a prática farmacêutica e o mundo da academia, o processo de adaptação requereu flexibilidade e capacidade de resolução de problemas.

Pode falar-nos um pouco sobre o seu dia-a-dia no trabalho?

Como qualquer académico, os meus dias nunca são iguais. Dependendo do semestre e da ocupação letiva, o meu tempo é distribuído por três principais áreas: investigação, ensino e serviço. A investigação inclui todos os aspetos de condução de um estudo: desde a criação da proposta de financiamento, pedido de aprovação pela comissão de ética, recrutamento de participantes, recolha e análise de dados, redação de artigos e publicação. A componente de ensino integra tanto a mentoria de alunos de mestrado, doutoramento e pós-doutoramento, como as aulas que leciono na licenciatura de farmácia (sou responsável pela sequência de medicina baseada na evidência) ou no programa de doutoramento (como técnicas de investigação, qualidade em saúde, entre outros). Serviço refere-se à participação em comités a nível da escola ou da universidade, por exemplo participação no Outcomes and Assessment Committee onde revemos o desempenho dos alunos e emitimos recomendações para a melhoria do currículo, ou serviço à profissão através de revisão de artigos, participação em comissões de avaliação de bolsas para financiamento, envolvimento em organizações profissionais, entre outros.

Teresa Salgado numa apresentação na Virginia Commonwealth University
Teresa Salgado numa das suas aulas na Faculdade de Farmácia da VCU

Quais são as maiores diferenças entre a sua universidade e a academia portuguesa?

Em ambos os casos, as expectativas de um professor são semelhantes: temos que publicar, trazer financiamento, dar aulas de qualidade e participar em serviço para a faculdade, universidade e profissão. Um aspeto diferente da academia nos Estados Unidos é a expectativa de um professor demonstrar a capacidade de estabelecer um programa de investigação reconhecido e financiado por entidades externas. O processo de promoção depende, entre outros aspectos, desta componente. Um outro aspeto que penso que seja diferente da academia portuguesa, é o que se chama a “shared governance” em que os professores, através do Senado de Professores e outros conselhos ou comités, têm uma voz nas decisões que são tomadas ao nível da Universidade. Outra grande diferença verifica-se ao nível do financiamento da universidade. Além de fundos estatais que a Universidade recebe por ser uma universidade pública, além das receitas provenientes do pagamento das propinas, a Universidade realiza campanhas de angariação de fundos ou recebe grandes donativos de organizações ou pessoas em nome individual. Estes donativos têm várias finalidades, mas principalmente destinam-se à assistência a alunos através de bolsas de estudo.

Quais os projetos profissionais em que está envolvida? E, quais os seus planos a médio prazo?

Enquanto diretora do Center for Pharmacy Practice Innovation da VCU School of Pharmacy, a minha missão é ajudar os farmacêuticos a otimizar os resultados na saúde dos doentes. Trabalhamos com vários grupos de saúde que têm hospitais e clínicas de cuidados primários e secundários para demonstrar a contribuição do farmacêutico para a melhoria dos resultados na saúde dos doentes e na qualidade dos cuidados de saúde prestados. Especificamente, um dos grupos de saúde com que trabalhamos incorporou farmacêuticos em algumas das suas clínicas de cuidados primários que são responsáveis pela gestão de doenças crónicas como a diabetes, a hipertensão ou a hipercolesterolemia. Têm autonomia para iniciar, modificar ou descontinuar medicamentos ao abrigo de um acordo de prática colaborativa com um prescritor. O que demonstrámos foi que os doentes que receberam cuidados pelo farmacêutico tinham quatro vezes mais probabilidade de controlo da doença do que os doentes que receberam os cuidados standard. Com os mesmos parceiros, conduzimos ainda um estudo para avaliar a adoção de inibidores SGLT2 e agonistas do recetor GLP-1 na prática clínica para prevenção de risco cardiovascular e verificámos que se encontrava muito abaixo do esperado nas subpopulações em risco. Temos outras iniciativas em diferentes estádios de desenvolvimento com estes e outros parceiros, estes são apenas dois exemplos para ilustrar o trabalho que fazemos.

Recentemente na Virgínia, houve avanços legislativos que permitem aos farmacêuticos, incluindo os comunitários, prescrever vários tipos de medicamentos como: contracetivos orais, naloxona, epinefrina, alguns antibióticos, profilaxia pré- e pós-exposição ao VIH, cessação tabágica, entre outros. Além disso, nova legislação em 2023, obrigou a que os farmacêuticos fossem pagos por serviços prestados a beneficiários Medicaid (o seguro público para pessoas desfavorecidas). Isto é bastante revolucionário e apenas 23 dos 50 estados têm legislação que prevê o pagamento a farmacêuticos por serviços prestados a beneficiários Medicaid. Neste sentido, estamos a trabalhar com os nossos parceiros locais – Virginia Pharmacists Association, Virginia Board of Pharmacy, Virginia Medicaid – para acelerar a implementação destes serviços e a submissão de pagamento na prática.

Na sua opinião, de que forma os currículos das faculdades de farmácia se deviam adaptar para dotar os futuros farmacêuticos de melhores instrumentos para responder aos desafios da longevidade, das patologias mentais, da desinformação, do acesso aos sistemas de saúde e das novas tecnologias?

Os temas que aborda são, sem dúvida, importantes. Contudo, penso que a incorporação desses temas dever ser feita como parte de uma restruturação mais profunda e intencional com vista a preparar melhor os farmacêuticos que se graduam. Recentemente, fui arguente de uma tese doutoral que se centrava no currículo de farmácia e numa potencial especialização em farmácia clínica. No decorrer da defesa, reparei que, em 16 anos desde a minha graduação, pouco mudou no currículo de farmácia. Este deve centrar-se nas necessidades da população, com uma forte componente clínica, acompanhando os avanços tecnológicos, com oportunidades para os alunos observarem e participarem na prática farmacêutica antes do estágio e antes de entrarem no mercado de trabalho.

Os currículos nas Faculdades de Farmácia nos Estados Unidos seguem critérios específicos para acreditação pelo Accreditation Council for Pharmacy Education. Contudo, todos os anos são implementadas melhorias nas cadeiras com base nas avaliações dos alunos e nas avaliações por pares que dão feedback e sugerem melhorias. Por outro lado, são utilizadas várias abordagens pedagógicas e formas de ministrar o conteúdo de forma a maximizar a aprendizagem dos alunos. Há uma grande ênfase na melhoria contínua.

E as horas livres, como costuma passar?

As horas livres são passadas a aproveitar ao máximo o tempo em família que inclui idas a museus, parques infantis, festas com amigos, e viagens dentro e fora do país. Ao longo dos anos temos vindo a desenvolver relações de amizade com muitas pessoas aqui em Richmond e, neste momento, temos a sorte de ter uma comunidade muito próxima e solidária.

O regresso a Portugal está nos planos? Em que circunstâncias?

Felizmente tem-nos sido possível voltar a Portugal todos os anos para visitar a família e os amigos. Neste momento a realização profissional e a estabilidade familiar que conseguimos alcançar aqui faz-vos querer permanecer por mais alguns anos.

Entrevista: Tiago Patrício