Futuros Farmacêuticos: Diogo Correia
Diogo Correia cresceu em Peniche e frequenta o segundo ano da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. Depois de terminar o curso pretende continuar em Portugal, uma opinião minoritária entre uma grande parte dos jovens universitários.
Ciências Farmacêuticas foi a primeira opção no concurso de acesso à Universidade?
Não, foi a quinta. As primeiras opções foram em diferentes faculdades de medicina
As cadeiras do curso estão a corresponder ao que esperava? Quais são maiores dificuldades?
Sim, de certo modo. Não tinha uma ideia muito completa do que esperar e por enquanto está algo dentro dos parâmetros, mas com surpresas também. Pessoalmente, a principal dificuldade é a da manutenção de saúde mental. O stress e a pressão dos exames e apresentações podem ser desgastantes.
Quais são as áreas em que tem mais interesse? Já pensou em fazer investigação?
Neurociência, novos fármacos e inteligência artificial. Um dos meus objetivos no futuro é trabalhar na área da investigação.
Como é o seu dia-a-dia na faculdade? E nas horas livres?
O dia-a-dia decorre muito à base das aulas que vou ter. Pode começar mais cedo ou mais tarde, dependendo dos dias, e inclui duas idas à cantina velha, uma para
almoço e outra para jantar. Horas livres são usadas para estudar, conviver com amigos, trabalhar noutros projetos pessoais e também para descansar ou para ver uma série nova por exemplo.
Como aproveita a vida académica?
Não posso dizer que seja uma pessoa com vida académica. Não participo na praxe nem vou a nenhuma festa. A minha vida académica centra-se no estudo e
na participação em eventos da faculdade.
Está envolvido em algum trabalho associativo, social ou ambiental ou outro?
De momento não, mas em breve vou tentar participar na LisbonPH. É uma júnior empresa sediada na nossa faculdade e acho que pode ser uma experiência única e
muito frutuosa.
A antiga Bastonária, a Professora Ana Paula Martins, foi escolhida para Ministra da Saúde pelo Primeiro Ministro. O seu exemplo poderá levar outros colegas farmacêuticos a envolverem-se mais nos assuntos públicos e associativos ou o desinteresse da classe pela política continuará a ser a regra?
Sinceramente não sei dizer. Realmente é inesperado dado as multivalências proporcionadas pelo curso. Eu esperaria que os farmacêuticos fossem muito
valorizados e procurados, algo ao nível dos médicos. Creio que a prática do médico seja mais ampla e também mais socialmente reconhecida, e daí lhes seja dada uma
prioridade. Mas não sei dizer com certezas.
E no seu caso, sente alguma inclinação para investir tempo e energia na vida pública?
Sinto uma forte inclinação para ser um profissional multidisciplinar com elevado capital humano. Uma área que me atrai mais é a dos negócios.
Numa altura em que há muitos licenciados a sair do país, tem pensado nesta hipótese após terminar o curso?
Não, pois acredito que vá conseguir alcançar os meus objetivos no país, mas não é uma impossibilidade.
No caso de sair, em que países gostaria de trabalhar?
Provavelmente na Suíça ou em algum país nórdico. O primeiro devido à alta valorização da nossa profissão, nos últimos por apreciar a sua organização social e económica
Está a pensar em fazer algum tipo de programa de mobilidade noutra faculdade?
Em princípio não pois valorizo muito a minha média, mas se se tratasse de algo em que eu reconhece um grande benefício pessoal/profissional talvez ponderasse. Só o
futuro o dirá.
O que lhe parecem estes programas que permitem aos europeus estudarem noutros países?
Acho que são bons. Pessoalmente, nunca senti nenhum benefício, pois também nunca ativamente participei em nada, mas acredito que os meus colegas o possam
ter sentido. Creio que a multiculturalidade e a oportunidade de experienciar diferentes sociedades e modos de trabalho/pensar, e mesmo de conviver, podem
ser benéficos.
Sente que a mobilidade europeia irá sofrer alterações nos próximos anos e que cada país irá voltar a fechar-se sobre si próprio?
Penso que a ascensão que se tem visto do pensamento conservador e fechado na Europa pode promover isso. Temos o exemplo do Reino Unido.
Durante a pandemia de CoVid19 foram desenvolvidas vacinas em poucos meses e iniciada uma campanha de vacinação inédita em todo mundo, o
que permitiu salvar a vida de milhões de pessoas, em especial as que pertencem aos grupos de risco. No entanto, todo este processo acabou, de forma paradoxal,
por gerar desconfiança em algumas franjas da população que apelidaram o processo concertado de resposta à pandemia de “fraudemia”. Como jovem estudante de um curso de base científica, qual a sua opinião sobre estas polémicas?
Não estou bem informado sobre os processos de criação de vacinas nem do que se passou nestes anos, dado também ainda estar no 2° ano, mas penso que as redes
sociais e o aumento da popularidade das fontes alternativas de informação podem promover estas desconfianças. É um assunto paralelo, mas penso que as mainstream media acabam por propagar as mesmas notícias e ideias e têm os seus próprios comentadores que por vezes têm agendas pessoais/partidárias, o que pode comprometer a imparcialidade. Determinadas fontes alternativas podem ser benéficas, e outras apenas promotoras de desconfiança e de fake news. Com o
isolamento das pessoas e um momento socialmente traumático é possível que estas se virem contra o sistema e se tornem negacionistas.
Dado que a nossa civilização assenta num sistema de saúde que permitiu reduzir a mortalidade infantil e subir a esperança média de vida até aos 80 anos, o
crescimento das correntes anti-ciência pode indicar um mal-estar civilizacional. Receia que o acesso à saúde de qualidade e a própria democracia possam estar comprometidos?
Infelizmente esta ideia torna-se mais real com o tempo. Mas a verdade é que essa negação e resistência ao avanço já é muito velha e vai sendo cíclica. Nenhum
cientista pode negar a informação por detrás desses avanços, e são esses cientistas que são responsáveis pela continuação dos mesmos, e portanto, desde que não
exista uma revolta popular e movimentos políticos que abalem o status quo, não temos de nos preocupar. Temos sim de nos preocupar com as vítimas da
pseudociência e da desinformação, sejam pais preocupados com vacinas, ou jovens adultos que nasceram num berço anti-científico. É aí que reside a
prevenção, que é sempre melhor e mais pacífica que a correção. A quantidade de desinformação científica é abismal e preocupante, e acredito que a propagação da
informação científica de forma eficaz e atrativa seja um ponto muito relevante.
A quantidade de vídeos, de fazedores de opinião e de publicações a destratar a medicina convencional e a disseminar ideias anti-ciência é cada vez maior. Como é
que se pode lidar com esta epidemia de desinformação?
Não acredito que exista uma solução mágica. Trata-se de um acumular de coisas. Duas crises económicas muito próximas, 2010 e 2020 (bolha imobiliária e COVID
-19) em que as sociedades se magoaram imenso e as pessoas procuraram outras respostas. O aumento da digitalização e a confiança cega na internet, o uso das
redes sociais para campanhas políticas, que implicam sim o uso de informação falsa ou manipulada/incompleta e o espaço seguro e anónimo online para que
indivíduos de pensamento radical e dissidente se conectem, em redes sociais como o Telegram, são tudo fatores que impulsionam esta ascensão. Como em tudo, a
solução não é só uma, são várias: qualidade de educação nas escolas, campanhas de consciencialização, políticos competentes que melhorem a qualidade de vida e
segurança na sociedade, ênfase na saúde mental e física, que estão interligadas, e etc. Tudo isto soa utópico e talvez o seja, e portanto como indivíduo eu tento fazer o
pouco que consigo em relação àqueles que me rodeiam.
As últimas alterações à Lei da Droga alargam a despenalização do consumo às drogas sintéticas e aumentam as quantidades admissíveis de posse. Ao contrário
das campanhas agressivas contra as drogas das décadas de 80 e 90, actualmente, o consumo parece quase normalizado, desde que seja para fins recreativos. Parece-lhe que existe alguma ligeireza do legislador em relação a este assunto? A única real razão para a cannabis não ser legal é porque existe uma resistência moral, que eu compreendo. Talvez existam outras razões logísticas a nível legal que podem atrasar o processo, não sei bem. Penso que a lucratizacão e a taxa sobre a venda destes produtos podia beneficiar todos, especialmente os consumidores que agora têm acesso a um produto seguro. Penso que outras drogas, nomeadamente sintéticas, deviam ser mais controladas, com especial ênfase nas que causam alta dependência e tornam o indivíduo disfuncional, como a heroína. A nível de psicadélicos penso que os seus potenciais medicinais devem ser mais explorados, são potencialmente a nova geração de antidepressivos.
Mais uma vez, os farmacêuticos parecem afastados destes debates sobre as drogas recreativas e de abuso. Parece-lhe que o alheamento da classe em relação a estes assuntos é voluntário, dada a complexidade e a ausência de soluções fáceis?
Esta é sem dúvida uma área de especial ação pelo farmacêutico, aliás, foi a minha paixão por neurociência e pelas drogas psicoativas que me fez ingressar no curso. Acho estranho esta ausência do farmacêutico nestes assuntos.
Acha que seria possível regular o comércio de drogas, trazendo-o para a economia real, de forma a gerar impostos e empregos qualificados?
Creio que sim, como disse antes, teria de ser algo muito bem construído e pensado, com uma análise séria dos impactos a longo prazo.
Como vê a evolução da profissão farmacêutica em termos globais?
Passámos de boticários a profissionais de laboratório. Não sei ao certo. É uma área muito grande e abrangente. Penso que atualmente a principal importância reside na
indústria e nas grandes empresas farmacêuticas.
A Farmácia Comunitária permite uma interacção diária e desafiante com os utentes. Que aspectos positivos destaca desta área?
Para quem gosta de atendimento ao público e gestão de stock, como também de uma vertente mais clínica de apoio ao doente, pode ser interessante.
E as dificuldades?
As horas em pé ahahah. O salário, a desvalorização profissional e talvez social, ter de lidar com pessoas complicadas que não demonstram respeito pelo trabalho dos
outros, são os principais problemas.
Os Farmacêuticos Comunitários deveriam fazer parte da resposta primárias aos doentes? De que forma?
O farmacêutico comunitário está apto a dar conselhos médicos e dispensar, tal como gerir, medicamentos. Deste modo, a visita à farmácia mais próxima pode sim
ser uma forma de resposta primária. Se todas as pessoas quando estão confusas em relação a algo ou tem algum sintoma correrem para o hospital temos um
esgotamento de recursos hospitalares. Se a farmácia, como existem tantas, for um ponto de primeira resposta e de redirecionamento, se necessário, podemos ter uma
melhor distribuição de recursos.
Que melhoria introduziria no funcionamento do Sistema de Saúde em Portugal?
Penso que uma ênfase na prevenção seria a chave. Não sei como seria implementada mas penso que é a única real alternativa, o resto tem sempre muita
bagagem política.
Na sua opinião, de que forma os currículos das faculdades de farmácia se deviam adaptar para dotar os futuros farmacêuticos de melhores instrumentos para
responder aos desafios da longevidade, das patologias mentais, da desinformação, do acesso aos sistemas de saúde e das novas tecnologias?
A adaptação do currículo face ao desenvolvimento da sociedade e as suas necessidades faz sentido. Sei que recentemente houve alterações no currículo e um
aumento das cadeiras opcionais, o que é bom.
Aconselhava o curso de Ciências Farmacêuticas aos candidatos à Universidade?
Aconselho a quem tem gosto por biologia, química e saúde. Para aqueles que ainda não conhecem bem estas áreas, o que é normal, digo que se gostarem de entender
como os medicamentos interagem connosco (por exemplo, nunca se questionaram como o paracetamol consegue aliviar as dores, ou como o álcool consegue afetar o
vosso estado psicológico? Se sim, podem ter interesse em farmacologia, e portanto, no curso) ou se tiverem gosto por ensino ou investigação e a área da
saúde, este curso é um excelente candidato. A faculdade, como é claro, aconselho a minha, Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.
Quais são os pontos mais fortes do curso?
Conhecimento científico e proximidade com a investigação.
E os seus projectos pessoais a médio prazo?
A médio prazo gostava de tentar participar num projeto de investigação com algum docente e de tornar-me membro da LisbonPH, isto tudo enquanto mantenho uma
boa média e consigo viver uma vida equilibrada, com momentos de qualidade com amigos e família.