Isabel Luz, uma Farmacêutica em Carrazeda de Ansiães

Isabel Luz, uma Farmacêutica em Carrazeda de Ansiães

Isabel Luz, graduou-se na Universidade do Porto e depois de trabalhar numa farmácia em Vila Flor tornou-se co-proprietária e Directora Técnica da Farmácia Rainha do Douro em Carrazeda.

Isabel Luz, Directora Técnica da Farmácia Rainha do Douro em Carrazeda de Ansiães onde diariamente põe em prática o espírito de missão, a empatia e a dedicação que o seu pai, Técnico de Farmácia, lhe transmitiu.

Em que circunstâncias começou a trabalhar na farmácia actual?

Comecei a trabalhar na Farmácia Rainha em 2000, quando tive, juntamente com mais uma colega, a oportunidade de aquirir a mesma.

Por que motivo escolheu a área da Farmácia Comunitária para trabalhar?

Ser farmacêutica comunitária sempre foi uma certeza para mim desde muito jovem. Toda a minha vida observei o meu pai, que era ajudante técnico de farmácia, a fazer a diferença na vida das pessoas, eu queria muito ter essa sensação, parecia-me algo de extraordinário que eu queria ter na minha vida. Comecei muito nova ajudar o meu pai na farmácia e o “bichinho” começou a crescer dentro de mim. O espírito de missão, a empatia e a dedicação com que o meu pai trabalhava foi absorvido e depressa percebi que era o que eu queria fazer para o resto da minha vida.

Como foram as suas experiências anteriores? 

Terminei a Licenciatura em Ciências Farmacêuticas em 1995. Nesse ano comecei a trabalhar como Farmacêutica Substituta, na farmácia Vaz em Vila Flor, onde me mantive até o ano 2000 quando surgiu a oportunidade de ter uma farmácia minha, em sociedade com uma colega, fui para Carrazeda de Ansiães como Diretora Técnica da Farmácia Rainha, onde me mantenho até os dias de hoje.

Quais foram as situações mais difíceis que presenciou em contexto laboral?

O ano de 2009/10 com o país a atravessar uma crise económica como eu nunca tinha vivido, as farmácias não foram imunes e entraram colapso, foi muito complicado ultrapassar este período e motivar uma equipa a manter o nível de serviço farmacêutico que a população merecia, tivemos de nos reinventar e nunca desistir. Quando pensei que tinha ultrapassado o pior período da minha vida como profissional, surge a pandemia da Covid19 e aí o medo tomou conta dos nossos dias, mais uma vez fomos postos à prova!

Quando se trabalha numa vila do interior do nosso país, sem grandes recursos em saúde, rapidamente percebemos que a farmácia é o local onde as pessoas procuram ajuda para resolver os seus problemas de saúde, consequentemente é um privilégio, mas também uma responsabilidade muito grande à qual não podemos simplesmente virar as costas!

A equipa da Farmácia com os EPI durante a pandemia de Covid-19

Numa altura em que há muitos licenciados a sair do país, também ponderou emigrar? Que tipo de propostas teve?

Nunca pensei em emigrar e felizmente nunca tive essa necessidade. O nosso país tem um modelo de farmácia, que pode não ser perfeito, mas vai ao encontro das necessidades da nossa população.

Quais são as principais vantagens de trabalhar num meio de baixa densidade populacional? E as dificuldades?

Eu sinto que sou uma privilegiada em trabalhar numa vila pequena do interior do nosso país. Carrazeda de Ansiães tem cerca de 5200 habitantes, tem um Centro de Saúde que encerra às 22h e duas farmácias. O hospital mais próximo fica a uma distância de 43 Km, o que dificulta muito o acesso da população aos cuidados de saúde. A farmácia e o Centro de Saúde são os únicos locais de acesso a cuidados de saúde por parte da população, este facto proporciona uma grande oportunidade de prestarmos um serviço diferenciador.

A farmácia está muito próxima da população criando uma relação de confiança o que nos permite prestar serviços que vão ao encontro das necessidades dos utentes. Outra vantagem dos meios pequenos é a proximidade que temos com os outros profissionais de saúde, tornando possível criar equipas multidisciplinares e desenvolver um trabalho mais rico com o objetivo de promover a saúde e prevenir a doença.

Como é o seu dia-a-dia no trabalho? E nas horas livres?

Como Diretora Técnica, tenho a responsabilidade da gestão da farmácia o que faz com que parte do meu dia seja dedicado a esta tarefa. A outra parte do meu dia é dedicada aos meus utentes e a ser o que eu mais gosto de ser, farmacêutica!

Nas horas livres, aproveito para estar com a minha família, viajar e para me dedicar a outras atividades que preenchem a minha vida.

Desde 2017 que sou formadora da Escola de Pós-graduação em Saúde e Gestão, Associação Nacional das Farmácias.

Desde de 2019 sou assistente Convidada na Unidade Curricular de Cuidados Farmacêuticos do Mestrado Integrado de Ciências Farmacêuticas (MICF) da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, o que me dá a oportunidade de dar a conhecer a Farmácia Comunitária aos estudantes e de como todo o conhecimento científico adquirido no MICF, pode ser usado ao balcão de uma farmácia que serve uma população.

O número de doentes sem médico de família está a aumentar a nível nacional. Os seus utentes também sentem esta dificuldade no acesso aos cuidados de saúde?

Sim é uma realidade a nível nacional, com a agravante de que temos muita dificuldade em fixar médicos de família no interior do país, consequentemente existe muita dificuldade em criar uma relação utente/médico de família, o que faz com os utentes não confiem no sistema de saúde.

Está a ser discutida, há algum tempo, a possibilidade de os doentes sem acesso ao Médico de Família poderem renovar receitas de medicação crónica nas farmácias. De que forma esta medida poderá contribuir para a autonomia e responsabilização dos Farmacêuticos por este serviço?

Esta medida é uma grande oportunidade para o farmacêutico comunitário poderem acompanhar de forma mais eficaz os seus utentes. Até aqui o acompanhamento farmacoterapêutico que o farmacêutico comunitário podia fazer, tinha como base de informação os registos informáticos do sistema operativo da farmácia, o que poderia não ser o mais completo, com a entrada desta medida vamos poder aceder à medicação crónica, comunicar com o médico através de notas terapêuticas, o que sem dúvida será uma mais-valia, não só para o utente mas também para todo o sistema de saúde. Este serviço não é só uma oportunidade de intervenção, mas também uma responsabilização pelo processo de uso do medicamento.

E estarão os Farmacêuticos preparados, técnica e cientificamente, para estes desafios?

Sim os farmacêuticos estão preparados, não tenho dúvidas nenhumas. O farmacêutico comunitário está preparado para utilizar os conhecimentos que adquiriu durante o MICF e através da formação contínua, que é obrigatória para a revalidação da carteira profissional da Ordem dos Farmacêuticos, para desempenhar o seu papel como o especialista do medicamento e do seu processo de uso.

A Farmácia Comunitária permite uma interacção diária e desafiante com os utentes. Que outros aspectos positivos destaca desta actividade?

O farmacêutico comunitário tem de ter um espírito de missão. Devido á rede de farmácias com uma grande distribuição geográfica no território nacional, consegue estar próximo dos utentes criando uma relação de confiança o que lhe permite desenvolver serviços que fazem a diferença na vida da população. A intervenção na comunidade contribui para a literacia em saúde, promoção da saúde e prevenção da doença, bom uso dos medicamentos, atividades que fazem com que haja uma optimização dos recursos o que se traduz em ganhos em saúde. O farmacêutico comunitário tem também responsabilidades sociais, principalmente com a população mais carenciada o que nos dá a possibilidade de criar uma relação de empatia que poucos profissionais de saúde conseguem ter.

A presença de farmacêuticos ao balcão é uma das mudanças mais importantes da nossa profissão, mas o excesso de horas em pé tem consequências para a saúde do profissional, o que pode dificultar o próprio atendimento e gerar erros de dispensa ou de aconselhamento. Alguns proprietários já anteciparam este problema e permitem a existência de cadeiras ou criaram balcões em que o atendimento é feito sentado. Como é que esta problemática é vista na sua farmácia?

Na minha farmácia o atendimento é essencialmente feito em pé, no entanto temos uma área onde o utente pode sentar-se e onde muitas vezes é atendido. Quando queremos um atendimento mais personalizado ou mais demorado que requer mais atenção do utente, temos um gabinete onde o utente e o farmacêutico estão sentados. Na minha farmácia não vemos esse fato como um problema, temos alguns cuidados para não sentirmos cansaço e prevenir alguns problemas de saúde futuros, como por exemplo, intervalos a meio da manhã e tarde, para os colaboradores poderem relaxar, uso de meias de compressão, etc.

No gabinete de cuidados farmacêuticos a avaliar parâmetros bioquímicos dos utentes.

Na sua opinião, os atendimentos sentados seriam um benefício para os funcionários e para os utentes?

Na minha opinião o atendimento deve adaptar-se a cada situação. Não concordo que todos os atendimentos deveriam ser sentados, tem que haver uma avaliação no momento e perceber se há necessidade do utente ser atendido sentado ou não.

A sua farmácia costuma receber estagiários? Que condições oferecem para atrair farmacêuticos?

Sim. Os estagiários são sempre bem-vindos, tentamos dar-lhe a melhor perspetiva do farmacêutico comunitário, motivá-los para os Serviços Farmacêuticos e mostrar como o conhecimento científico pode fazer a diferença na vida das pessoas.

A partir da sua perspectiva, que medidas tomava para melhorar a prática na Farmácia Comunitária na região? E no contexto nacional?

Na minha localidade já conseguimos criar uma ligação com as entidades locais, Centro de Saúde, Município, Junta de Freguesia, Agrupamento de Escolas, o que nos permitem trabalhar em conjunto e assim desenvolver atividades que vão ao encontro das necessidades da população. No entanto penso que estes laços terão de ser reforçados e desenvolver mais projetos multidisciplinares.

A nível nacional, temos de continuar com os projetos de integração dos diferentes locais de cuidados de saúde. Os diferentes profissionais de saúde que acompanham o utente na sua jornada de saúde, devem ter um canal de comunicação bidirecional, enquanto isso não acontecer não teremos um modelo de farmácia capaz de sobreviver.

Como vê a evolução da profissão farmacêutica em termos globais?

A profissão farmacêutica é essencial para a população, os farmacêuticos comunitários vão tornar-se, obrigatoriamente, mais clínicos e fazer parte de equipas multidisciplinares.

Na sua opinião, de que forma os currículos das faculdades de farmácia se deviam adaptar para dotar os futuros farmacêuticos de melhores instrumentos para responder aos desafios da longevidade, das patologias mentais, da desinformação, do acesso aos sistemas de saúde e das novas tecnologias?

As faculdades têm vindo a fazer um esforço para se adaptarem à evolução da profissão e do mundo, no entanto esta adaptação não é tão rápida como desejaríamos. Em questões de conteúdos curriculares existe um esforço, por parte das direções e diretores de curso do MICF, para os adaptar à evolução da humanidade.

Aconselhava o curso de Ciências Farmacêuticas aos candidatos à Universidade?

Sim claro que sim!

Segundo o investigador Michael Balint, a forma de comunicar do profissional de saúde é o primeiro “medicamento” que o doente recebe. Como é que se poderiam melhorar as competências dos farmacêuticos neste aspecto, de modo que a componente humana esteja ao nível do conhecimento científico?

Concordo plenamente com o investigador. Na Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, na cadeira de Cuidados Farmacêuticos, abordamos muito a temática da importância de uma boa comunicação, fazemos muitas aulas práticas onde os estudantes podem fazer simulações de situações reais, em que a comunicação com o utente e com outros profissionais de saúde é referida e treinada. Talvez nos cursos de Ciências Farmacêuticas falte uma cadeira de formação social e humana ou mesmo uma cadeira de psicologia, que trate temas como a empatia e comunicação.

Quais são os seus projetos a médio prazo?

Os meus projetos a médio prazo, passam por continuar em farmácia comunitária e na faculdade e a dar o melhor de mim à população e aos estudantes. Formar a minha filha, que está a terminar o curso de Ciências Farmacêuticas. Ambas temos um gosto em comum que é trabalhar com idosos. Fazer uma especialização na área da geriatria e poder desenvolver um projeto direcionado para esta faixa etária.