Lipedema: “uma doença pouco falada e muito desconhecida”

Depois do livro” Pernas Lindas – Como ter as pernas com que sempre sonhou”, a cirurgiã vascular Joana de Carvalho dedica-se agora ao lipedema, uma doença crónica que afeta a qualidade de vida de muitas mulheres. Reconhecida como referência no tratamento, a autora esclarece sintomas, tratamentos e oferece um caminho de esperança e autoestima renovada.


Fotografia da Drª Joana de Carvalho cedida pela Contraponto

Como surgiu a ideia de publicar o livro dedicado ao Lipedema?

No meu dia-a-dia, no consultório, sou confrontada com muitas pacientes com este problema e que andaram durante anos em busca de um diagnóstico e tratamento. São pacientes que sofrem diariamente com dor, com sensação de peso e com vergonha que limita a sua qualidade de vida de modo muito importante. Apercebo-me, assim, do desconhecimento sobre a doença entre a população em geral e entre os profissionais de saúde em particular.

Pode descrever-nos o que é o lipedema?
O lipedema é uma doença crónica do tecido conjuntivo (o tecido que está sob a pele) e que se caracteriza por uma acumulação desproporcional de gordura nos membros inferiores predominantemente, podendo em cerca de 30% dos casos afectar também os membros superiores. Além desta acumulação de gordura, as pacientes queixam-se de dor, sensação de peso nas pernas e hipersensibilidade, sendo também frequente referirem o aparecimento de equimoses (pisaduras/ “nódoas negras”) fáceis.

Porque opta por “lipedema” e não lipidema?
Apesar de o termo encontrado no dicionário ser lipidema, o estrangeirismo lipedema consagrou-se pelo uso.

No livro, a cirurgiã vascular explica como identificar e tratar o lipedema, devolvendo saúde e esperança às mulheres que sofrem com esta doença.

Todos os profissionais de saúde devem assumir um papel crucial no reconhecimento da doença. Trata-se de uma doença pouco falada e muito desconhecida. Acima de tudo o seu reconhecimento passa por valorizar as queixas da paciente – a desproporção corporal que referem e as dores que não têm explicação.

O lipedema é uma doença que se estima afetar 11 a 17% das mulheres em idade fértil. É esta a real prevalência desta doença?
Esta é a prevalência estudada, de acorodo com os casos que estão diagnosticados. Sabemos, contudo, que muitas pacientes ainda não têm o diagnóstico e como tal acredita-se que deverá ser uma percentagem bastante mais elevada.

Porque o lipedema afeta sobretudo mulheres?
A etiologia da doença não está completamente esclarecida . Sabe-se que o factor hereditário é determinante (cerca de 65% das pacientes tem alguma familiar directa com a doença). Contudo o factor hormonal é também determinante para o aparecimento da doença, particularmente mediado por estrogénios, hormona feminina, motivo pelo qual afecta quase exclusivamente as mulheres.

Porque o lipedema ainda é muitas vezes associado apenas à obesidade?
Uma das principais características do lipedema é a acumulação de gordura nos membros. Numa situação de desconhecimento da doença, não é de estranhar que este problema seja confundido com obesidade ainda que tenha características tão distintas (como a dor).

Quais os “mitos” que são necessários abolir para que se ganhe consciência sobre todas as implicações que este problema pode trazer?
Acima de tudo deixar de confundir lipedema com obesidade. Reconhecer o lipedema como uma doença distinta que se caracteriza por uma acumulação de gordura que é resistente à maioria das dietas hipocalóricas e ao exeecicio. Reconhecer que a falta de resposta não se deve a desleixo das pacientes. Ser empático e compreensivo e dar o acompanhamento que estas pacientes necessitam e merecem.

Qual o papel dos profissionais de saúde no diagnóstico e tratamento desta doença?
Em primeira instância, todos os profissionais de saúde devem assumir um papel crucial no reconhecimento da doença. Trata-se de uma doença pouco falada e muito desconhecida. Acima de tudo o seu reconhecimento passa por valorizar as queixas da paciente – a desproporção corporal que referem e as dores que não têm explicação. Fazer o diagnóstico, de facto, é o primeiro passo para evitar a progressão da doença e o desenvolvimento de complicações. Torna-se, assim, imperativo divulgar a doença e dar formação sobre a forma de diagnosticar e tratar, de modo a ajudar estas mulheres que se sentem “perdidas” e negligenciadas.

Considera que esta doença ainda é desvalorizada pelos profissionais de saúde e pela sociedade?
Sem dúvida, principalmente por desconhecimento. A verdade é que se trata de uma doença já descrita na 11ª edição da classificação internacional de doenças sob o código EF 02.2 , mas ainda muito pouco falada e cujo tratamento não é comparticipado pelo Serviço Nacional de Saúde nem pela maioria dos subsistemas e seguros de saúde. Grande parte dos profissionais de saúde que deveriam estar na primeira linha de reconhecimento e abordagem da doença ainda não estão familiarizados com o seu diagnóstico ou o seu tratamento.

Fotografia da Drª Joana de Carvalho cedida pela Contraponto

Que tipos de lipedema existem e como podem ser encontradas estratégias para solucionar ou atenuar o problema?
Há duas classificações de lipedema – uma relaciona-se com as áreas afectadas e outra relaciona-se com a gravidade da doença. O reconhecimento da doença é, como já referi, o passo determinante para atenuar o problema. O tratamento passa por uma alimentação anti-inflamatória (que tem que ser individualizada), prática de exercício e medidas de fisioterapia (drenagem linfática manual,medidas de compressão e alguns tratamentos com apoio de aparatologia que poderão estar indicados em casos particulares). Terapêutica farmacológica poderá também estar indicada mas sempre de forma individualizada. Quando estas medidas não funcionam após um
período nunca inferior a 6 meses, poderá estar indicada a realização de cirurgia de redução de lipedema – esta consiste numa cirurgia de lipoaspiração com particularidades técnicas impostas pela doença.

O lipedema pode ser indicador de outros problemas de saúde?
Sim, por se tratar de uma doença marcada por um estado inflamatório generalizado, pode associar-se a outros problemas como doenças inflamatórias da tiroide, alterações gastro-intestinais, deficiência de vitamina D. Não nos podemos ainda esquecer que o próprio lipedema pode causar complicações como
alterações articulares com prejuízo da mobilidade e impacto negativo na saúde mental –depressão, ansiedade e perturbações do comportamento alimentar são alguns dos problemas associados a esta doença.

Sobre a autora: Especialista em Angiologia e Cirurgia Vascular, Joana de Carvalho é uma das grandes referências nesta área, tendo fundado a primeira clínica na Europa dedicada ao tratamento abrangente da saúde e beleza das pernas, a Leg Clinic® by Allure, no Porto. Ao longo dos anos, frequentou vários cursos e estágios
internacionais no âmbito do diagnóstico vascular, técnicas cirúrgicas minimamente invasivas e procedimentos endovasculares, acabando por dedicar, em exclusivo, a sua prática clínica à Flebologia Estética. Com vários seguidores nas redes sociais, tanto no Facebook, como no Instagram, a cirurgiã vascular tem usado estas plataformas para consciencializar cada vez mais pessoas para problemas de saúde como o lipedema.