Lisa Vicente: «É urgente construir uma sociedade mais consciente, justa e respeitadora do processo que é a transição hormonal na menopausa.»
Neste Dia Mundial da Menopausa, Lisa Vicente, médica assistente graduada em Ginecologia-Obstetrícia, com uma pós-graduação em Medicina Sexual, convida à reflexão e ao diálogo com o lançamento do livro, A Revolução da Menopausa, obra editada pela Planeta de Livros que procura desmistificar esta etapa da vida feminina e devolvê-la ao seu verdadeiro significado: o de transformação, autoconhecimento e liberdade.

A Revolução da Menopausa apresenta-se como um guia prático e empático, que alia o rigor científico à experiência clínica, abordando temas como os desafios da perimenopausa, o impacto hormonal, as mudanças de energia e humor, e a importância de cuidar da saúde mental e física de forma integrada.
Em entrevista exclusiva à Salus Magazine, a especialista sublinhou que a urgência em perceber que «não existe uma menopausa, mas tantas menopausas quanto mulheres», e que não se trata de uma doença, mas uma fase natural que merece ser compreendida e vivida com informação e serenidade, apelando a que a sociedade aposte na literacia sobre este tema. Para ajudar nesse processo, desmistifica algumas ideias erradas sobre a menopausa e explica a importância de uma abordagem multidisciplinar nesta fase da vida através da partilha de estratégias personalizadas para lidar com sintomas físicos e emocionais.

No livro, fala da menopausa como uma oportunidade de transformação e autoconhecimento. Que tipo de “revolução” propõe às mulheres que estão a passar por este processo?
No livro proponho de facto duas revoluções: A revolução do conhecimento: é essencial conhecer o corpo, como funciona e o acontece nesta fase de transição, para poder de viver bem (saúde física, mental e social), nesta fase da vida. Para isso é fundamental perceber que não existe uma menopausa, mas tantas menopausas quanto mulheres. Todas elas com diferentes narrativas e por isso com necessidades muito concretas e diferentes que precisam ser abordadas e divulgadas. É, também, necessária uma revolução coletiva: é urgente construir uma sociedade mais consciente, mais justa e respeitadora do processo que é a transição hormonal na menopausa. Todas as pessoas têm de ter mais informação para fazer a diferença no resultado final. Porque senão a incompreensão e a estranheza continuam a existir e é isso que queremos mudar.
Um dos temas centrais da obra é a desmistificação dos sintomas e dos medos associados à menopausa. Que mitos considera mais importantes de desconstruir?Existem inúmeros mitos, que vou abordando ao longo de todo o livro e que concretizo num Quizz final designado por “Mito ou Verdade” em que abordo 25 questões deste tipo. Entre as que mais oiço, destaco:
*”É um tema que interessa só às mulheres que estão a passar ou irão passar pelo processo”.
O conhecimento sobre o que acontece no processo de transição hormonal não se pode concentrar apenas na informação para as mulheres que chegam à menopausa aos 50 anos. Há muitas outras para quem a menopausa chega em outras idades e outras circunstâncias. Todas precisam de informação e por isso, temos de falar de Insuficiência Ovárica Prematura (IOP), de menopausa precoce, de pessoas que entram em menopausa por doenças e terapêuticas, nomeadamente oncológicas.
*“Comecei a menstruar tarde por isso vou entrar em menopausa mais tarde.”
Não existe uma correlação entre a idade em que se começou a menstruar (menarca) e a idade da menopausa. Pode-se começar a menstruar tarde e entrar em menopausa cedo, assim como, ter uma menarca cedo e menstruar até bem depois dos 50 anos. A transição para a menopausa, tal como a puberdade, é um processo gradual e diferente para cada pessoa que as vive.
*”Será que a minha libido vai mesmo diminuir inevitavelmente com a menopausa?”
A diminuição do desejo é a dificuldade mais frequentemente relatada nos estudos e na prática clínica em todas as idades. Sabe-se que isso pode acontecer por diferentes razões como o cansaço físico, mal-estar geral, ansiedade, depressão, alguns medicamentos, doenças e dores físicas. Na transição hormonal, além de todas estas razões, também a diminuição dos estrogénios vulvovaginais, pode interferir na satisfação sentida e isso por si só diminui o desejo/libido. Se sente alguma destas questões, saiba que não uma inevitabilidade que isto aconteça.
*”A incontinência urinária é inevitável na menopausa.”
Encontro com frequência escrito que a incontinência urinária ou as infeções urinárias podem ser «sintomas tardios de menopausa». É importante que fique claro: não são sinais de menopausa, no sentido que os deve esperar «mais cedo ou mais tarde». São sinais ou sintomas de disfunção do pavimento pélvico, ou do sistema urinário, para as quais deve procurar ser avaliada e tratada.
A sua abordagem integra nutrição, exercício físico e (melhor) higiene de sono, tendo em conta o bem-estar físico e emocional. Que papel desempenham estes pilares na gestão equilibrada da menopausa?
Na atualidade os estudos revelam, de forma inquestionável, que a nossa saúde e bem-estar assentam em cada momento da vida, no que comemos, no exercício que praticamos e no sono de qualidade (reparador) que temos. Os conhecimentos sobre como Exercício, Nutrição e Sono interagem na nossa saúde foi profundamente revolucionado nas últimas décadas. E por isso o que aprendemos pode já não estar atualizado. Por isso é importante conhecer a informação cientificamente atualizada sobre a dinâmica destas interações para descobrir as maneiras mais eficazes de incorporar estas estratégias nas nossas vidas. Isso é verdade ao longo de toda a nossa vida. Mas durante a perimenopausa e a menopausa por causa das alterações produzidas pelo processo hormonal, podem existir desafios acrescidos. A International Menopause Society (IMS) escolheu para assinalar o Dia Mundial da Menopausa 2025, exatamente este tema: The Role of Lifestyle Medicine in Menopausal Health.
«No livro abordo as várias possibilidades disponíveis para a perimenopausa e menopausa para que possa ser um guia para gerar conhecimento sobre o que acontece, porque acontece e o que é possível fazer.»
Lisa Vicente, médica assistente graduada em Ginecologia-Obstetrícia e autora do livro A Revolução da Menopausa
A importância da escuta do corpo e da autonomia feminina nas decisões sobre tratamentos são outros dos temas que aborda no livro. Acredita que ainda existe desinformação ou um certo paternalismo nesta área da saúde? Porquê?
Existe desinformação e informação contraditória e desatualizada não apenas sobre o processo em si, bem como sobre as indicações e os riscos das terapêuticas. Existem inúmeras formas de solucionar os problemas, nem todas são terapêuticas hormonais, e nem todas são estratégicas farmacológicas. No livro abordo as várias possibilidades disponíveis para a perimenopausa e menopausa para que possa ser um guia para gerar conhecimento sobre o que acontece, porque acontece e o que é possível fazer. Que permita a cada pessoa fazer escolhas informadas e em conjunto com os profissionais que as acompanham. Também estes podem encontrar no livro uma fonte cientificamente correta e atualizada (e em português) de como abordar estas fases numa perspetiva prática.
Que mensagem gostaria de deixar às mulheres que ainda veem a menopausa com receio, mas também aos profissionais de saúde que as acompanham nesta fase?
Para as mulheres: Ter informação correta e cientificamente atualizada é essencial para se sentir confortável neste processo. É importante ter uma estratégia para mudar o que identifica que precisa mudar. Não tentar mudar tudo ao mesmo tempo, mas ir construindo uma mudança; para os profissionais: existem atualmente vários documentos de consenso e documentos nas sociedades nacionais e internacionais onde é possível encontrar recursos atualizados e gratuitos sobre perimenopausa, menopausa no que diz respeito a diagnóstico, condutas, acompanhamento e terapêuticas.




