Percurso Farmacêutico: Portugal vs EUA

Percurso Farmacêutico: Portugal vs EUA

Artigo de opinião de Ana Pereira.

Quando concluí o Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas há 15 anos, em Lisboa, não imaginava a reviravolta que me esperava e que viria para os Estados Unidos e muito menos idealizava fazer parte da Harvard Medical School e Yale School of Medicine.

Iniciei o meu percurso profissional em farmácia comunitária, em Lisboa, onde trabalhei em várias farmácias durante 5 anos e tencionava continuar a exercer farmácia comunitária em Portugal, mas a crise económica de 2012 começou a afundar as farmácias e os farmacêuticos e trouxe um impacto muito negativo que afectou drasticamente o meu percurso. Os ordenados dos farmacêuticos decresceram muito atingindo mesmo valores humilhantes , inversamente proporcionais à carga horária que é absurda e não compatível com uma vida familiar digna.

A desvalorização farmacêutica em Portugal é uma desilusão e a classe que era de prestígio passou a dispensar os seus profissionais, havendo a preferência para contratar recém-licenciados e estagiários não remunerados ou muito pouco remunerados, levando milhares de farmacêuticos a serem “obrigados” a sair do país em busca da valorização das suas competências profissionais, o que se reflete em ordenados muito superiores aos exercidos em Portugal e na procura de melhores condições de vida e progressão de carreira.

Neste seguimento, em 2013 surgiu a oportunidade de vir para os EUA e embarquei numa aventura em que ainda nem via a ponta do icebergue. Lancei-me num novo desafio profissional em Boston , nos Estados Unidos onde comecei por fazer um estágio de investigação biomédica seguido de um pos-doutoramento na Harvard Medical School/ Brigham and Women’s Hospital na procura de novos alvos terapêuticos para a Linfangioleiomiomatose (LAM), uma doença que afecta maioritariamente mulheres jovens. É uma neoplasia metastática que não tem cura. Esta doença que afecta os pulmões e pode afectar outros órgãos é progressiva e, pode levar à insuficiência respiratória e morte. As opções de tratamento com o fármaco Rapamicina (Sirolimo) ou transplante pulmonar estabilizam a doença mas não são eficazes sendo que foi muito pertinente e desafiante procurar potencialmente novos alvos terapêuticos (como a progesterona, estradiol, metformina, cloroquina e metotrexato) e explorar o efeito de vários fármacos nesta doença rara.

Nos EUA, o Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas de 6 anos da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa dá equivalência a Pharm.D. (Doctor of Pharmacy), pelo que os Farmacêuticos nestas condições podem fazer à partida investigação pós-doutoral, quer na parte académica quer em Indústria, sendo reconhecidos pelas suas competências farmacêuticas. Contudo, não há equivalência directa para poder exercer em Farmácia Comunitária ou Farmácia Hospitalar e é necessário um processo mais moroso e dispendioso, que inclui a validação do curso, a realização de vários exames e um estágio de 1500h não remuneradas em farmácias que aceitem estágios, sendo que a preferência é aceitar primeiramente Farmacêuticos com Pharm.D. Americanos.

As farmácias Americanas funcionam de maneira diferente das farmácias Portuguesas. São grandes cadeias, nomeadamente a CVS e o Walgreens, que são como supermercados e inúmeros medicamentos estão a disposição na prateleira ao alcance de qualquer pessoa…o que me continua a fazer grande confusão, e há uma parte separada onde se levantam os medicamentos prescritos, normalmente por funcionários que não são farmacêuticos, sem haver aconselhamento na farmácia nem contacto do utente com o farmacêutico, nem seguimento farmacoterapêutico dos utentes pelos farmacêuticos, o que é muito diferente do papel do farmacêutico nas farmácias Portuguesas, que continuo a achar fundamental, apesar de infelizmente estar a desvanecer com o tempo. Os medicamentos de prescrição dispensados nas farmácias Americanas são preparados pelos farmacêuticos e colocados em frascos , contrariamente às nossas embalagens e aos nossos blisters em que os comprimidos vêm individualizados.

O sistema de saúde Americano funciona à base de seguradoras privadas, o que é muito diferente do sistema de saúde em Portugal, com uma importante componente pública, dando acesso a qualquer pessoa aos cuidados primários de saude, o que aqui não acontece.

Após esta experiência muito enriquecedora, vou-me lançar num novo desafio profissional, na Faculdade de Medicina da Universidade de Yale, Connecticut, continuando o meu percurso profissional nos Estados Unidos e explorar novas terapêuticas para o Alzheimer e Demência Fronto-temporal.

Na minha opinião, os Farmacêuticos Portugueses com as suas competências profissionais de excelência e extrema importância para a sociedade e tendo um papel fulcral no sistema nacional de saúde, não são valorizados, o que infelizmente leva muitos profissionais a abandonarem a profissão ou procurar essa valorização no estrangeiro, ficando o país ainda mais pobre e a profissão farmacêutica a deteriorizar-se cada vez mais, em vez de se criarem medidas eficazes para tentar reverter esta situação que afecta toda a população e valorizar novamente a profissão farmacêutica no nosso país, que tem tanto potencial para crescer e melhorar.

Portugal é um dos países que disponibiliza maior prestação de cuidados de saúde à população, não só a nível europeu como a nível mundial, e o farmacêutico desempenha um papel fundamental nesse sentido, sendo que os farmacêuticos são INDISPENSÁVEIS! Pensemos sempre nisso e continuemos a lutar por uma profissão farmacêutica digna e de prestígio no nosso país! É fulcral que isso aconteça!