Portugal entre os países europeus com maior consumo de antibióticos

Portugal entre os países europeus com maior consumo de antibióticos

Continuando a ocupar os lugares cimeiros na lista dos países da União Europeia com maior consumo de antibióticos, Portugal enfrenta um cenário que preocupa os especialistas e que volta a estar em destaque nas vésperas do Dia Europeu do Antibiótico, celebrado amanhã, 18 de novembro.

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Em declarações conjuntas, que integram um comunicado partilhado pela Biocodex Microbiota Institute, primeira plataforma internacional de referência e de especialização sobre a microbiota humana, Hélder Pinheiro, médico infeciologista e professor auxiliar da NOVA Medical School, e Conceição Calhau, professora catedrática e investigadora da mesma instituição, alertam para as consequências do uso excessivo e inadequado destes medicamentos, que vão muito além da resistência bacteriana. O consumo indevido pode afetar o equilíbrio da microbiota intestinal – o conjunto de microrganismos que habitam o corpo humano – e favorecer o desenvolvimento de doenças metabólicas, como a obesidade.

Segundo Hélder Pinheiro, a elevada utilização de antibióticos em Portugal reflete não apenas práticas clínicas que podem ser otimizadas, mas também hábitos de automedicação e expectativas de cura imediata.

“Os antibióticos não são analgésicos nem antigripais. São medicamentos que devem ser usados apenas quando há indicação médica. Precisamos de maior literacia em saúde para compreender o seu papel e evitar abusos.”
Hélder Pinheiro, médico infeciologista e professor auxiliar da NOVA Medical School

Conceição Calhau explica que o uso repetido e incorreto de antibióticos pode causar disbiose, isto é, um desequilíbrio na microbiota intestinal, com perda de espécies benéficas e proliferação de microrganismos indesejáveis. Este desequilíbrio está associado não só ao aumento da resistência antimicrobiana, mas também a alterações metabólicas e inflamatórias.

“Proteger a microbiota é proteger o sistema imunitário, o metabolismo e a própria longevidade.”
Conceição Calhau, professora catedrática e investigadora da NOVA Medical School

A investigadora recorda que a ciência tem vindo a reconhecer a microbiota como um verdadeiro “órgão metabólico”, essencial à saúde. “Durante muito tempo pensou-se que todos os microrganismos eram nocivos. Hoje sabemos que vivemos em simbiose com eles e que o uso incorreto de antibióticos pode comprometer esse equilíbrio, com impacto no metabolismo e no risco de doenças crónicas”, refere.

Sempre que o uso de antibióticos é inevitável, adotar estratégias de proteção intestinal é fundamental. A especialista recomenda a associação de probióticos e prebióticos, bem como uma alimentação rica em fibras, para restaurar a microbiota. Entre as opções mais estudadas, destaca-se a levedura Saccharomyces boulardii, que pode ser administrada em simultâneo com o antibiótico, por não ser afetada por ele. “Há evidência de que, em casos como a erradicação do Helicobacter pylori, esta associação melhora a eficácia do tratamento e reduz efeitos adversos”, explica Calhau.

Os especialistas reforçam ainda a importância de um uso criterioso de antibióticos durante os primeiros 1000 dias de vida, desde a gestação até aos dois anos, um período crítico para o desenvolvimento da microbiota e do sistema imunitário. Perturbações nesta fase podem ter consequências duradouras, aumentando o risco de doenças metabólicas e imunológicas na idade adulta.

Para Hélder Pinheiro, combater este problema exige uma estratégia nacional sustentada, que inclua formação contínua dos profissionais de saúde, comunicação eficaz com os doentes e monitorização do consumo de antibióticos. “Os antibióticos foram uma das maiores conquistas da medicina moderna, mas o seu uso abusivo ameaça fazer-nos recuar décadas. É tempo de aprendermos a utilizá-los de forma racional — sem destruir os nossos aliados invisíveis que protegem a saúde todos os dias.”