Lidera o grupo de investigação da Unidade da Interação Hospedeiro-Patogeno do iMed da Universidade de Lisboa, orienta estudantes de mestrado, doutoramento e pós-doutoramento. É regente de Imunologia e de Microbiologia Celular na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. Encontrou na arte um contraponto de equilíbrio da intensa atividade científica.

Para além do trabalho como docente na Faculdade, como líder do grupo de investigação do iMed da Universidade de Lisboa, como orientadora de teses de estudantes, como editora associada da Frontiers in Immunology e de outros jornais científicos e de agências internacionais, como é que ainda tem tempo e energia para se dedicar ao desenho e à pintura?
Tem fases. Há fases em que a atividade docente/científica não deixa espaço para a criatividade florir em termos mais artísticos. Mas posso dizer que não deixo de conciliar as duas mesmo duma forma de comunicação visual mais científica. Tenho muito cuidado na forma de comunicar ciência nos diapositivos que construo para as aulas ou das figuras científicas que desenho para publicações científicas em jornais da especialidade. E tenho explorado bastante esta vertente artística com muito prazer: como comunicar ciência por desenhos, arte visual. Depois há outras fases como a pandemia, férias ou momentos particulares da vida em que surge espaço para colmatar uma necessidade repentina e explosiva de pegar no lápis e no papel e desenhar. Nessa altura pára tudo e fico num mundo só meu, sem espaço nem tempo, o meu momento zen. Durante a pandemia, a certa altura acabou o papel e tive de reinventar-me. Descobri os programas como o ProCreate, Tayasui sketches que permitem desenhar no iPad e imitar o carvão, tinta-da-china, aguarela, diferentes traços, enfim, um mundo novo virtual a explorar. Nasceu nessa altura a minha pasta a que chamei virtual sketches e que parece gerar bastante empatia por parte dos observadores.
A actividade artística acaba por ser um contraponto ao intenso trabalho científico ou sempre esteve presente na sua vida?
As duas são verdade, com mais peso da atividade científica e o contraponto equilíbrio da atividade artística.

Quando é que começou a dedicar-se ao desenho e à pintura?
À pintura propriamente dita só virtualmente no iPad aquando da pandemia. O que me apaixona são os traços a carvão ou grafite no papel, as sombras. Comecei a motivar-me com os rascunhos que o meu pai fazia do perfil de pessoas e de um programa na televisão ainda na minha infância, também um tipo de desenhos animados menos comuns do Tex Avery. A partir dos 13 anos comecei a treinar a captura dos traços humanos, os rostos sempre me fascinaram. Um retrato é muito mais do que identificar os traços físicos e reconhecer o rosto, é captar a alma nas expressões e esse treino fez com que muitos desenhos fossem parar ao lixo. Por exemplo, durante anos não consegui desenhar os meus pais. Finalmente em 2015, talvez por saber que a minha mãe poderia não viver muito mais, de repente e no final das férias as emoções explodiram e fiz nascer os meus pais no papel. São epifanias, momentos únicos que valem uma vida. Mas não me considero uma artista. Tenho sempre receio de expor porque não tenho formação, foi tudo tentativa erro, olha até que resulta…. Mas não passa disso do meu momento zen.
A pintura e o desenho são consideradas as primeiras manifestações artísticas dos humanos. As placas Pioneer prestam tributo a esta forma de arte universal e foram colocadas no exterior das sondas Pioneer 10 (1972) e Pioneer 11 (1973), banhadas a ouro para resistirem à erosão interestelar. Linda Salzman Sagan, pintora e escritora, desenhou as mensagens pictóricas sobre a nossa civilização para servirem de mensageiras a outros habitantes da galáxia que encontrem estas sondas. Sente esta ligação primordial enquanto desenha?
Não penso nesses termos, mas apenas como uma forma de estar aqui e agora, comigo, sem espaço nem tempo e isso é muito relaxante em termos mentais. É a melhor forma de combater o stress, os pensamentos negativos e de me reequilibrar.
Quais são os pintores portugueses que mais admira?
Vieira da Silva (vejo sempre o futuro e a inovação com ela), Roque Gameiro (viajo com os quadros dele de volta para a minha infância em Trás-os Montes), Almada Negreiros ( a reinvenção da interpretação da realidade, o romantismo em traços simples, faz-me lembrar a pintura de Einar Wegener o artista que deu inspiração à obra a rapariga dinamarquesa, primeiro transgénero que morreu no seguimento de uma rejeição de transplante do útero), Paula Rego (pela rudeza do traço e da mensagem) e Abel Salazar (médico e artista cujo lema de vida era “O Médico que só sabe Medicina nem Medicina sabe” pela dualidade com a qual me identifico) e os traços simples eróticos de Júlio Pomar.
E as suas maiores referências?
Paul Gauguin, Modigliani, Henri de Toulouse-Lautrec, Picasso, Vincent van Gogh, Matisse, Egon Schiele, René Magritte e, mais contemporaneo Jack Vettriano. Em escultura o hiper-realista Ron Mueck, Willy Verginer.
Que formas de divulgação priviligia para as suas obras?
Não divulgo, mostro aos amigos mais chegados. Foi por eles que fui convidada para expor nas cerimónias comemorativas dos 50 anos da Ordem dos Farmacêuticos.

O Ministério da Cultura vai reabrir as bolsas anuais de criação artística. Inicialmente a ilustração foi excluída destes apoios, mas já foram anunciados concursos separados para ilustração e BD. Nunca pensou em concorrer a estas bolsas para se dedicar em exclusivo à actividade artística, como uma licença sabática?
Nunca pensei nisso. Penso em fazer formação mais técnica quando me reformar, mas tenho receio que isso estrague o impulso, a espontaneidade.
Como é o seu dia-a-dia como Professora e Investigadora?
Muito preenchido entre aulas, preparação de aulas, escrever projetos para concorrer a financiamentos, orientar equipas de investigação, corrigir teses de mestrado, doutoramento, outras, escrever artigos científicos, preparar conferencias, rever ou editar artigos submetidos a jornais nos quais faço parte do corpo editorial, responder a outras solicitações como avaliar projetos de agências internacionais ou da Comunidade Europeia e, sobretudo responder às necessidades dos alunos.
E nas horas livres?
Preciso de fazer exercício físico para equilibrar as más posturas ao computador, gosto de fazer caminhadas, natação, andar de bicicleta; as melhores ideias surgem nessa altura. Gosto de ler, sobretudo romances baseados em jornalismo histórico, na geopolítica, policiais, ver filmes, séries, exposições, ouvir música. Gosto de reunir a família e acarinhá-los com um aconchegante almoço em casa. Gosto de viajar de vez em quando para conhecer outros locais ou matar saudades dos que já conheço. E claro, de desenhar quando vem a veia criativa.
A Universidade de Lisboa abriu a possibilidade aos alunos de frequentarem disciplinas opcionais em diferentes faculdades, por exemplo, um estudante de Engenharia pode escolher introdução à Escultura na Faculdade de Belas Artes ou Língua Russa na Faculdade de Letras. De que modo é que esta interdisciplinaridade pode beneficiar os estudantes e torná-los melhores pessoas e melhores profissionais?
De todas as formas. O abrir destas portas e ter a possibilidade de acesso é uma mais-valia para complementar formação e valências que cada um sinta necessidade e de não ficar restrito apenas a valências limitadas ao curso. E certamente poderão completar espaços que possam vir a ser muito úteis na atividade futura profissional.
De que forma os currículos das faculdades de farmácia se deviam adaptar para dotar os futuros farmacêuticos de instrumentos para responder aos desafios da longevidade, das patologias mentais, da desinformação, do acesso aos sistemas de saúde e das novas tecnologias?
Em termos de conteúdos programáticos já está a ser feito ou adotado. No futuro, a médio prazo com o projeto de reestruturação do mestrado integrado as unidades curriculares, o seguimento lógico e sequencial dos conteúdos programáticos ao longo do curso, certamente que permitirá colmatar de forma mais integrada a resposta a esses desafios.
A nível profissional, quais são os seus planos a médio prazo?
Conseguir manter equipas e financiamento no meio deste contexto de desgoverno para a ciência.
E a nível artístico, quais são os seus projectos para os próximos anos?
Sem projetos, sem rumo, sem destino, deixar fluir livremente e espontaneamente como sempre fiz. Tenho receio que sistematizar ou entrar em rotinas estrague o momento criativo.


com uma exposição de trabalhos artísticos de Farmacêuticos no Palácio da Ajuda