Residência farmacêutica: o farmacêutico do futuro?
Artigo de opinião de João Emídio Cardoso, Farmacêutico residente.
A residência farmacêutica foi, por largo tempo, uma luta de muitos farmacêuticos, na procura de um instrumento de diferenciação profissional. Devido à sua importância, tem sido assunto de debate em alguns fóruns da profissão farmacêutica. Contudo, nem o debate tem sido transversal na profissão, nem no sistema de saúde.
Então, qual a utilidade da residência farmacêutica, em tempos de redefinição dos actos profissionais? em que os farmacêuticos terão de assumir-se como profissionais de saúde através de um novo modelo de prestação de cuidados? Em que a responsabilidade primeira é o cuidado ao ser humano doente, através do uso consciencioso da tecnologia do medicamento, do dispositivo médico, dos exames laboratoriais e genéticos?
A residência farmacêutica pode constituir-se como oportunidade para trabalhar com outros profissionais, treinando a capacidade do diálogo com pontos de vista diferentes. Ao mesmo tempo, poderá conseguir-se maior eficiência nos processos e libertar recursos para o reinvestimento na modernização do sistema de saúde. É interessante pensar que, se bem aplicada, a residência farmacêutica pode ser auto-sustentável a médio e longo prazo, correspondendo ainda à obrigação ética de devolver à sociedade o investimento que esta fez na educação dos farmacêuticos residentes.
Em paralelo, abre-se uma janela de afirmação da intervenção farmacêutica em distintos contextos da prestação de cuidados, incluindo grupos de trabalho e comissões técnicas. A residência farmacêutica, se bem aplicada, afirmará o farmacêutico como especialista do medicamento, com visão holística sobre esta tecnologia, incluindo a sua monitorização analítica e a influência que a genética tem sobre os seus efeitos. E abrirá novas perspectivas para as instituições hospitalares e laboratoriais que, apostando na diferenciação funcional para garantir idoneidade e capacidade formativa, poderão traçar uma nova abordagem na gestão dos recursos humanos, dando-lhes uma perspectiva diferente de carreira, com a valorização do conhecimento como eixo estruturante da valorização profissional.
A residência farmacêutica deve ser assim um factor disruptivo, questionando a rotina de equipas e serviços, e fazendo da prática assistencial farmacêutica o campo de trabalho da investigação aplicada na área do medicamento e do laboratório clínico, propondo um novo modelo de relação com as escolas farmacêuticas e com as unidades de investigação a nível hospitalar. Deste novo relacionamento espera-se conseguir melhores resultados em saúde dos cidadãos, facilitada por uma formação pós-graduada devidamente estruturada nas distintas áreas de actividade.
Mas não devemos desprezar a experiência passada, especialmente a nível internacional, e as boas práticas que daí possam ser partilhadas. Será um ponto de partida para assegurar a coesão territorial na prestação de cuidados farmacêuticos, estando abertos ao que as pessoas com doença têm para nos dizer e gerando redes de comunicação e partilha de conhecimento.
Em suma, o desafio é garantir a continuidade formativa dos farmacêuticos residentes, com exigência e sustentabilidade, numa dinâmica colaborativa e articulada entre os diferentes intervenientes. Formação esta que não pode descurar o perfil humanista que os farmacêuticos devem ter no seu exercício, ajudando, através do seu saber e competência, a mudar a profissão e a servir os cidadãos.