Jorge Silveira: Um Farmacêutico na Estrutura do Sport Lisboa e Benfica
da Rubrica Salus Magazine: Farmacêuticos Fora da Cápsula
O actual Director de Procurement do Sport Lisboa e Benfica é Licenciado em Ciências Farmacêuticas pela Universidade de Lisboa, tem uma vasta experiência empresarial no Grupo Quilaban com provas dadas em Portugal, Angola, Guiné-Bissau, Moçambique e Índia. Foi também um dos fundadores da Tuna Académica da Faculdade de Farmácia da UL e fez parte da equipa da ANF que criou o famoso Sifarma 2000.



O início desta aventura no Sport Lisboa e Benfica iniciou-se em Maio de 2023. Tendo em conta o histórico de sucesso na gestão de equipas multidisciplinares, podemos acreditar que o Benfica poderá chegar a uma final Europeia na próxima época?
É o sonho de qualquer benfiquista que isso aconteça nos próximos anos. Claro que o futebol de hoje não tem nada a haver com o daqueles anos em que o Benfica foi Campeão Europeu. Nos anos 60, no tempo do Eusébio e do Coluna, entre outros, era mais uma questão de paixão pelo clube e nós tivemos a sorte de ter aquele lote fantástico de jogadores. Hoje o futebol é completamente diferente, mas acho que o Benfica tem feito um caminho positivo nos últimos anos, com as nuances normais que existem no mercado deste tipo, muito dependente de a bola entrar ou não. É preciso recordar que, nos últimos anos chegámos duas vezes à final da Liga Europa, uma com o Chelsea e outra com o Sevilha. Perdemos as duas vezes, é certo, mas vencer mais uma Champions será um dos pontos altos da nossa história e da minha vida.
E a maldição do Béla Guttmann, quando é que vai ser superada?
Lol….Não sou nada supersticioso. O que temos é de continuar a criar as bases para tornar isso possível, apesar de estarmos sempre dependentes do momento, da sorte, da capacidade de chegarmos aos momentos decisivos. No dia em que o Benfica for campeão europeu, acho que posso morrer feliz.
Segundo percebi, a maldição só abarca os títulos continentais. Será que o Mundial de Clubes está fora da maldição?
Espero que sim😊Nós estamos agora no Mundial de Clubes nos Estados Unidos e estamos muito focados em ser bem sucedidos. Passo a passo, jogo a jogo.
Nos próximos anos, o caminho profissional do Farmacêutico Jorge Silveira será por aqui nestes escritórios com esta vista maravilhosa para o relvado do Estádio da Luz e para a águia Vitória?
Até me quererem, gostava muito, sim. O Benfica sempre foi uma das paixões da minha vida, Acho que toda a gente que me conhece sabe isso. O toque do telemóvel já tinha o hino do Benfica desde a faculdade. Portanto, quando tive esta oportunidade de vir para aqui, foi numa perspectiva de paixão e de projeto. É uma experiência completamente diferente das que tive até agora em termos profissionais, mas ser onde é, torna-a ainda mais apaixonante.


Como foi a passagem do adepto para as novas funções na estrutura do SLB?
Muito fácil. Quando uma pessoa entra numa empresa tem aquele período de adaptação até chegar o momento em que veste a camisola. No meu caso, eu já vinha com a paixão intensa e com a camisola vestida desde que nasci!
E como é o dia-a-dia de trabalho do Diretor de Procurement?
Esta área de Procurement, no fundo, gere as consultas de mercado do Grupo SLB para aquisições de produtos e serviços. É uma área de suporte transversal a toda a organização Benfica. Portanto, não é só o Estádio, não é só o clube de futebol. É isto tudo, mais as modalidades, a BTV, as lojas, o Benfica Campus, até algumas Casas do Benfica que existem por todo o país e por todo o mundo. As Casas têm um papel fulcral na manutenção e proliferação da Identidade Benfica. Por exemplo, agora dos 32 clubes que vão ao Mundial, o Benfica é um dos poucos (se não for o único) que tem estruturas organizadas nos Estados Unidos, as nossas Casas. E isto é extraordinário. Mas, como dizia, o Procurement é uma área transversal de suporte a várias áreas dentro do Grupo SLB, como são exemplo as infraestruturas, o IT, a área Comercial e de Marketing, os Serviços Gerais (limpeza, catering etc), as viagens, os equipamentos, etc, etc.
O Benfica tem mais de 30 modalidades, com todos os escalões possíveis, no masculino e no feminino: estamos a falar de uma dimensão muito significativa.
Grande parte desses processos de aquisição passam por nós. Adicionalmente, temos também integrada na nossa área, a vertente de Gestão da Frota do Grupo SLB. Somos uma equipa de seis pessoas que todos os dias tenta encontrar as melhores soluções para as nossas necessidades. É muito giro. Diria que o dia-a-dia, é, no fundo, acompanhar estes processos, interagir com as áreas e criar dinâmica em termos de visão futura do que é que achamos que pode ser a nossa área a 3 ou 5 anos. É uma reflexão estratégica que fazemos e revemos anualmente: como é que projectamos o Procurement do Benfica daqui a 3 anos? No fundo, queremos garantir, não só que é uma área de prestação de serviços de gestão de consultas ao mercado, mas também que nos vejam como uma área que pode ajudar ao nível da organização, do planeamento e da optimização dos nossos recursos. É o caminho que temos feito e no qual eu tenho vindo a aprender muito. Acho que tem sido positivo, porque a equipa com quem trabalho diariamente é muito interventiva, muito dinâmica. É um privilégio poder trabalhar neste enquadramento.
Portanto, a vossa equipa garante que o palco está pronto e os jogadores só têm de entrar e fazer o espectáculo.
Todas as equipas e departamentos dentro do Benfica fazem com que o palco esteja pronto. Seja no Futebol, seja nas Modalidades. Para além de muitas outras coisas, temos de garantir que o relvado/piso está impecável, que os adeptos estão bem instalados e que a águia faz o seu voo antes do hino a cada jogo na Catedral
Pela descrição do percurso, na área farmacêutica, nos últimos 25 anos, parece que foi um treino para chegar a este cargo.
Efetivamente, nunca tive uma função exclusivamente relacionada com a área de Procurement e Compras, embora tenha tido responsabilidades globais de gestão nas empresas internacionais e na minha experiência em Angola, assumindo um papel importante nos processos de negociação e compras dessas entidades.
Mas acho que tive a sorte de estar em estruturas e em empresas, nomeadamente no grupo Quilaban (onde estive os últimos 15 anos da minha carreira farmacêutica), com uma grande dinâmica, tendo conhecido pessoas extraordinárias com visões estratégicas muito desenvolvidas, como é o caso do Dr. João Cordeiro.
E sempre me vi rodeado de equipas competentes e focadas. Aprendi muito neste período, também com a ajuda do Sérgio Luciano, Director Geral da Quilaban e que tem uma capacidade de organização e de trabalho notáveis. Dessas experiências, resultou uma aprendizagem que, todos os dias, vou implementando no Benfica. É exemplo o planeamento estratégico e operacional que temos feito para, envolvendo as pessoas, alinhar uma visão do que se pretende para o futuro.
Em termos de sócios, o Benfica também têm aumentado o número de sócios?
Sim, chegámos há pouco tempo ao marco dos 400 mil. Somos, a par do Bayern, o clube com mais sócios no mundo.
Nos descobrimentos, quando as naus partiram para o Novo Mundo ou para a viagem de Circumnavegação, levavam um cronista a bordo. Vocês vão levar algum cronista na vossa comitiva ao Mundial de Clubes?
Bom, nós temos o nosso jornal, a nossa televisão e toda a componente de redes sociais tradicional nos dias de hoje. Toda esta entourage em termos de comunicação e de visibilidade da marca é naturalmente complementada pelos meios de comunicação mais tradicionais. O Benfica é um grande clube mundial e uma marca com muita visibilidade. Todos os dias estamos nas bocas do mundo. A juntar a isto, existe uma forte carga emocional: de 15 em 15 dias este estádio, que vemos aqui à nossa volta, junta 60 mil pessoas. É impressionante! O que as pessoas sofrem, o que as pessoas choram riem, gritam…ou nos abraços à pessoa do lado que nunca viram na vida. É uma coisa extraordinária. Também acontecerá com os outros clubes, mas este é especial.
Por alguma razão se chama a Catedral, não é? É como se houvesse alguma coisa de religioso aqui, no sentido da palavra religar, de ligação. As pessoas têm estes cânticos em uníssono e isto provoca, mesmo em termos fisiológicos, a libertação de endorfinas. Por isso é que existe esta alegria e esta ligação vitalista, quase. Quem não é do Benfica, pronto, não conhece esta felicidade?
Não diria dessa maneira. Acho que o futebol e o desporto em geral, tendo uma componente “irracional”, gera comportamentos e sentimentos que não têm comparação com qualquer outra realidade. Não é melhor, nem pior. A alegria será transversal a todos os clubes, mas a nossa é a nossa e é a que, para mim, tem mais encanto.

E os concertos, como é que se organiza um concerto da Taylor Swift ou dos Calema?
Os concertos não passam por mim directamente. Pode passar alguma negociação especifica em termos de infraestruturas ou meios de suporte, mas não o espectáculo em si.
A ligação entre farmácia e o Benfica está na própria fundação nas instalações da farmácia Franco, em Belém, numa tarde de Fevereiro de 1904. Como farmacêutico, sente um orgulho especial por este episódio tão importante para o Sport Lisboa e Benfica? É uma história extraordinária, a massa associativa está ciente disso?
Sim, acho que a maioria dos adeptos sabe. Existe até um cântico que ilustra esta relação com a farmácia: “Nascido na Farmácia Franco/Criado por Cosme Damião”. E é curioso que São Cosme e São Damião também são os santos padroeiros da farmácia. É um conjunto de “coincidências” que tornam muito especial o facto de ser um Farmacêutico no Benfica.
Como é que correu a entrevista para este cargo? O facto de ser farmacêutico ajudou? Ou seja, tal como em tempos tiveram o Mago Pablo Aimar, a direcção do Benfica percebeu que agora precisavam do Alquimista Jorge Silveira?
Não faziam essa conexão. Eu diria que as pessoas ficam surpreendidas quando descobrem que sou licenciado em Ciências Farmacêuticas. Naturalmente, nesta entrevista isso era claro, porque estava no currículo, mas é importante frisar que sempre fui um farmacêutico não praticante, trabalhei sempre ao nível da gestão. O facto de ser farmacêutico não teria grande impacto na decisão. A ideia que as pessoas têm é que sou de gestão, ou sou financeiro, ou alguma coisa assim.
Mas as pessoas ficam mesmo surpreendidas. Tu és farmacêutico? Não posso acreditar!
Mas como sabes, os farmacêuticos dão para tudo. Tu és escritor e eu estou no Benfica. E há muita malta que está noutros sectores que não têm nada a haver com o mundo farmacêutico.
Mas esta expressão que ainda hoje aparece nas receitas dos manipulados, que é FSA (Faça Segunda Arte), soa a artes mágicas, uma expressão pré-científica. Como farmacêutico, pode trazer esta magia que às vezes falta ao Benfica?
A questão de ser farmacêutico neste caso é um detalhe. Eu acho que é muito a questão da possibilidade e da sorte que tive em passar por empresas farmacêuticas bem organizadas e com visão para o futuro. Empresas que tinham, no seu mindset, inovação, desenvolvimento, capacidade de gestão, capacidade de organização, planeamento. O que sempre fiz foi cuidar das nossas pessoas, analisar os números e optimizar recursos, encontrando soluções eficientes. No Benfica, estas componentes continuam a ser os vectores fundamentais da minha intervenção.
Portanto, gestão, planeamento, optimização, organização e visão estratégica. A magia, então, fica para os jogadores?
A magia fica para os jogadores, mas não acaba aí. É preciso que toda a estrutura tenha capacidade de funcionar bem e de espalhar magia no dia-a-dia. E eu acho que a estrutura do Benfica tem essa capacidade. Tem essa mística também.
A figura paterna foi uma inspiração, de alguma forma? Também era benfiquista?
O meu pai não liga a futebol. Eu sou benfiquista muito por parte da família materna. Todos são adeptos “doentes” pelo Benfica. Tios, padrinhos, primos. Um deles foi atleta do Benfica, chegou a jogar nos juniores, mais ou menos na altura do Eusébio. Quando estamos juntos, em almoços de família há sempre um ecrã ligado na BTV, seja no hóquei feminino ou no triatlo. Temos um ecrã do telemóvel a dar aquele jogo. É uma paixão assolapada😊
Para terminar, aconselhavas o curso de ciências farmacêuticas a qualquer estudante? Pode dizer-se que tanto dá para chegar a diretor de uma empresa farmacêutica como à estrutura do Benfica.
O curso deve ser muito diferente do que era há 20 e tal anos. Mas acho que o curso de Ciências Farmacêuticas nos dá excelentes bases para depois termos alguma capacidade de alargar a nossa visão relativamente ao que é que podemos fazer no futuro.
Dentro do mercado farmacêutico, existem várias possibilidades: a farmácia comunitária, hospitalar, indústria, investigação, distribuição. Existem as entidades institucionais (ANF; Ordem, Infarmed, etc.).
Portanto, por aí já existe alguma variabilidade. Por via do aumento de instituições de ensino, há mais Farmacêuticos. Dentro desta variabilidade, é preciso desenvolver as capacidades de gestão e de inovação em todos os sectores do mundo Farmacêutico.
E é esta dinâmica do mundo farmacêutico que permite aos profissionais evoluírem e tornarem-se melhores.
Essa preparação que nos dá o sector Farmacêutico permite-nos, caso queiramos, experimentar outras áreas e outras vivências. Sei que o meu caso é muito especial, mas todos os dias aproveito o privilégio de poder trabalhar para a paixão da minha vida, o Sport Lisboa e Benfica.