Artigo de opinião de Tiago Patrício, Farmacêutico, Escritor e Editor da Salus Magazine.

Nos últimos vinte anos, as taxas de abandono dos estudantes e dos graduados em Ciências Farmacêuticas têm aumentado, em especial com a crise económica de 2008 e com as medidas de austeridade subsequentes, o que significa que os profissionais desta área não obtêm vantagens do clima recessivo. A maioria destes colegas angustiados com a profissão farmacêutica investe numa segunda licenciatura com melhores perspectivas de carreira, de realização pessoal e com garantias de colocação no sector público, o que numa tradição estatizante como a portuguesa, acaba por ser um factor decisivo para motivar o regresso aos anfiteatros cheios de caloiros. Mas nem todos têm paciência para aguentar uma segunda dose de aulas teórico-práticas, de exames e de maratonas de estudo, há quem suspenda simplesmente a inscrição na Ordem do Farmacêuticos e passe a dedicar-se à restauração, ao sector imobiliário, às artes performativas ou às medicinas complementares. Os motivos são diferentes em cada caso e fazem parte das escolhas individuais, no entanto, estas renúncias ajudam a reforçar a percepção de que o curso de Ciências Farmacêuticas é pouco atractivo e não cumpre as expectativas de quem concorre ao Ensino Superior.
Algumas faculdades de farmácia, como a de Coimbra, tentam contrariar esta tendência fornecendo uma lista alargada de saídas profissionais: “farmácia de oficina e hospitalar, indústria farmacêutica, química e alimentar, análises clínicas, assuntos regulamentares relacionados com o medicamento e produtos de saúde, bem como outras ligadas ao doentes, medicamento e saúde pública.”
Apesar de todas estas opções serem viáveis, persiste a ideia de que a maioria dos graduados acaba ao balcão de uma farmácia, a realizar tarefas monótonas e pouco diferenciadas, o que gera não apenas angústia, mas também desespero. Chegados a este ponto é preciso esclarecer que a opção pela Farmácia Comunitária é motivada, essencialmente, pelos convites após o estágio curricular, pela publicitação constante de vagas nas páginas de ofertas de trabalho e pela remuneração interessante para um primeiro emprego. Além dos motivos, as intenções também são boas, uma vez que esta área permite um contacto diário e desafiante com os doentes numa altura em que o acesso aos cuidados de saúde é difícil e em que a desinformação compete de forma insidiosa com o rigor científico.
O problema destas boas intenções é que há colegas a fazer mais de 60 atendimentos diários na farmácia, numa média de sete minutos para cada utente, alguns deles com queixas graves que requerem tempo, privacidade e entreajuda da equipa farmacêutica para as interpretar. Perante isto, o adjectivo mais adequado para qualificar a tarefa dos farmacêutico é colossal em vez de monótono. Também sabemos que a gratificação por ajudar pessoas diariamente é imensa, mas não se consegue subsistir apenas com palavras de incentivo, são necessárias melhores condições no atendimento e mecanismos para evitar o cansaço extremo, porque estas dificuldades acabam por conduzir a uma grande rotatividade dos profissionais. Facto, porém, que se torna numa vantagem para quem procura mudar de local de trabalho, ir para outra cidade ou pretende fazer uma pausa na actividade, situações difíceis de gerir há vinte anos, quando o sector era muito rígido e pouco acolhedor para farmacêuticos em diferentes fases da vida e com percursos diversos.
Neste momento, ao contrário da indústria, da Farmácia Hospitalar e de outras áreas afins, a Farmácia Comunitária acolhe todos os colegas que desejem trabalhar (por vezes sem experiência) e contrata cada vez mais Farmacêuticos para a linha da frente do atendimento, o que constitui uma das grandes mudanças na profissão. É evidente que este novo modelo não trouxe só benefícios para os Farmacêuticos, o desgaste mental e físico, pelo elevado volume de atendimentos e pelas mais de oito horas em pé ao balcão é cada vez maior. No entanto, algumas entidades patronais já promovem atendimentos na posição sentada porque o tempo interminável em pé tem consequências para a saúde e leva ao absentismo dos seus funcionários, além de diminuir a disponibilidade destes para ouvir os doentes, de bloquear a comunicação e de gerar erros na dispensa e no aconselhamento.
O último motivo de angústia existencial prende-se com o aparecimento de licenciaturas especializadas em funções que antes eram exercidas pelos farmacêuticos na área ambiental, na saúde pública, na nutrição e noutras actividades na alçada da administração local ou central. Com todas estas alterações nos ecossistemas laborais a apreensão dos candidatos ao ensino superior quando vêem o seu nome associado a uma faculdade de farmácia é compreensível. Este curso representa quase uma guia de marcha para o sector privado (sujeito ao desemprego, às incertezas provocadas pelas crises económicas e aos ciclos políticos) ou um passaporte para a emigração.
Mas será mesmo assim? Consultando as estatísticas, percebemos que o curso de Ciências Farmacêuticas, afinal, não aparece como última opção da maioria dos alunos colocados, que alimentavam a esperança de uma vaga em Ciências Médicas, Medicina Dentária ou no famoso curso de Ciências do Meio Aquático do Instituto Abel Salazar. Mais de metade dos alunos colocados escolhem o curso de Ciências Farmacêuticas como primeira ou segunda opção, o que indicia mais contentamento do que angústia naqueles candidatos que escolhem este curso de acordo com as suas médias e objectivos futuros. Mesmo que a desilusão de poucos seja mais ruidosa do que a satisfação da maioria, os alunos que entraram em Ciências Farmacêuticas sabem que entraram num curso que lhes dará acesso a uma profissão antiga, ligada aos mistérios da vida, da doença e da cura, da saúde e da beleza.
Para esclarecer um pouco mais as dúvidas em relação ao curso de Ciências Farmacêuticas, é possível verificar que as profissões ligadas à área farmacêutica aparecem como as mais bem pagas naquelas tabelas publicadas na imprensa digital e que acabam, talvez, por gerar mais ansiedade do que alívio nos leitores, que, estando na área certa, não auferem aqueles ordenados. Mas, numa época em que se dá importância aos cursos de carácter geral, o facto deste Mestrado Integrado ter cadeiras tão abrangentes (ou pesadas, para usar outro adjetivo) será sempre uma vantagem para quem aceitar o desafio.