Maria Nazaré Rosado é a segunda farmacêutica hospitalar em Portugal a receber o Oncology Pharmacy Specialty Certification (BCOP), concedido pelo Board of Pharmacy Specialties (BPS). Esta certificação internacional qualifica os farmacêuticos hospitalares como especialistas em Farmácia Oncológica.

Créditos : Luz Saúde
O que a levou a optar por uma carreira na área farmacêutica? Porque escolheu a especialidade de oncologia?
O meu percurso pela área das Ciências Farmacêuticas foi quase acidental porque não atingi a média necessária para entrar em Medicina. Durante o curso, pensei várias vezes em desistir e tentar novamente ingressar na profissão que considerava ser a mais indicada para mim, mas o destino continuou a empurrar-me para a vida farmacêutica e eu aceitei! Descobri a Oncologia quando estagiei no IPO de Lisboa, onde fiquei a trabalhar quando terminei o curso. Na altura, a maioria dos colegas escolhia hospitais mais generalistas e hesitei quando escolhi esta opção para local de estágio. Porém, acho que foi mais um empurrão do destino e fui literalmente esmagada à medida que aprendia sobre a doença, alvos terapêuticos, efeitos adversos e conhecia doentes e a sua história. Percebi que queria ter um papel na evolução do tratamento do cancro, participar, intervir, contribuir de alguma forma.
Quais são os principais desafios diários da sua prática profissional?
A atualização permanente! Felizmente, a investigação científica bombardeia a Oncologia com inovação e fármacos cada vez mais complexos que exigem um update das guidelines quase ao segundo e temos de estar focados e acompanhar estas mudanças. É imperativo utilizar a nossa formação farmacêutica para gerir a utilização destes medicamentos, monitorizar toxicidades e muito importante, participar na medição de outcomes.
Quais foram os principais desafios com que se deparou ao obter a certificação internacional BCOP? Qual a importância desta certificação?
Tal como acontece nas especialidades médicas, o farmacêutico hospitalar também deve procurar especializar-se nas diversas áreas de intervenção como Oncologia, Pediatria, Cuidados Intensivos, entre outras. Só assim tornamos válida a nossa participação nas equipas multidisciplinares. Como farmacêutica que integra a consulta de decisão terapêutica, preciso de ter também o conhecimento necessário para compreender a abordagem clínica, desde o diagnóstico, aos resultados imagiológicos, a avaliação do estadiamento e é esta formação contínua na prática clínica que o BPS proporciona. O BPS “Board of Pharmacy Specialties é um painel americano criado pela American Pharmacists Association (APhA) para responder às mudanças na área da saúde e em particular na nossa profissão e tem o intuito de promover e regular a especialização farmacêutica.
Para a obtenção da certificação, temos de frequentar um programa de formação rigoroso e de elevada qualidade e ter a aprovação no exame final. O principal desafio da certificação BCOP é sem dúvida a forma célere em que a FDA aprova novas moléculas que não fazem ainda parte da realidade europeia, a multiplicidade de ensaios clínicos em curso, a regulamentação americana e os sistemas de financiamento. Para além disso, esta certificação exige conhecimento sobre todas as patologias hemato-oncológicas, abordando também as neoplasias pediátricas e a mobilização para transplante. Não posso deixar de referir também a interpretação estatística dos estudos clínicos, que não fazem parte da nossa prática, mas que é fundamental para avaliar a significância dos resultados em investigação.
Na sua opinião, qual é ou deve ser o papel do farmacêutico hospitalar na área da oncologia?
Devemos colaborar com a equipa de cuidados assistenciais e participar nas reuniões multidisciplinares. Para isso, temos de ter a mesma linguagem técnica e clínica, e compreender todos os conceitos que determinam a identificação do diagnóstico e a elaboração dum plano de tratamento. Os avanços científicos e tecnológicos nesta área proporcionaram uma evolução impressionante no panorama terapêutico. Somos fustigados diariamente com novos alvos terapêuticos e novas armas de tratamento que embora sem os efeitos adversos da quimioterapia convencional, não são isentas de toxicidade. E é este perfil de segurança que deve ser monitorizado pelo farmacêutico, ajudando na prevenção e deteção precoce. Estabelecendo algoritmos de tratamento de suporte, protocolos de atuação e apoiando a equipa na transmissão de toda a informação relevante para o sucesso de cada plano terapêutico.

Quais os principais desafios da prática farmacêutica face às evoluções do tratamento oncológico?
A revolução no arsenal terapêutico oncológico, tal como referi anteriormente, imprimiu uma nova perspetiva no tratamento destes doentes, com sobrevivências globais maiores, melhor qualidade de vida, mas simultaneamente maior complexidade na gestão da utilização do medicamento e no conhecimento do perfil de toxicidade. É importante o nosso conhecimento técnico sobre estes novos mecanismos de ação, requisitos de preparação e administração, gestão de eventos adversos e medidas de suporte. Neste novo paradigma da investigação em Oncologia, existem cada vez mais terapêuticas orais, que aliviam a sobrecarga dos hospitais de dia e permitem o tratamento do doente em ambulatório. O doente passa a ter mais comodidade, mas simultaneamente, parte da responsabilidade na eficácia do seu tratamento através da correta adesão à terapêutica. Aqui, é fulcral o papel da consulta farmacêutica no ensino, seguimento farmacoterapêutico destes doentes, promovendo a compliance, monitorizando potenciais interações farmacológicas com medicação do domicílio, identificando e reportando qualquer reação adversa. O nosso contributo na farmacovigilância é fundamental para alimentar o conhecimento sobre estas novas moléculas. E voltar a frisar novamente, que temos os meios para avaliar em tempo real, os resultados em saúde com análises objetivas de custo-benefício. É necessário implementar um modelo com evidência baseada em valor, medir outcomes de eficácia e impacto na qualidade de vida dos doentes.
Como vê a evolução da farmácia hospitalar em Portugal nos últimos anos?
Acho que a ministra da saúde, em funções, Ana Paula Martins, e ex- bastonária da Ordem dos Farmacêuticos, ditou da melhor forma, a resposta a esta questão, num prefácio de um Estudo sobre Valorização do Desempenho do Farmacêutico Hospitalar, da NOVA SBE. Se me permitem plagiar:
“A evolução da Farmácia Hospitalar, que acompanha o progresso dessa irrequieta tecnologia da saúde que é o medicamento, tem alargado o campo profissional – as atividades – do farmacêutico, focando-o cada vez mais no doente e nos resultados em saúde. É todo um campo de ilimitadas possibilidades cujo denominador comum é o reforço do farmacêutico na multidisciplinaridade incontornável para que tende a atividade hospitalar. Isto significa maior dinamismo da farmácia hospitalar, de modo que nos distanciemos cada vez mais da ideia, já hoje esbatida, de que os farmacêuticos são “as pessoas que nos hospitais compram e distribuem os medicamentos”.