Joana Alves: uma farmacêutica dedicada à Canábis Medicinal
Cresceu em S. João do Estoril, mas sempre ambicionou viver no campo, depois de trabalhar no Hospital de Cascais mudou-se para São Brás de Alportel como Directora da Farmácia do Centro de Medicina Física e de Reabilitação. Passou ainda pela Linha Saúde24, pela Farmácia Comunitária, pela distribuição e concluiu uma segunda licenciatura em Biologia na Universidade de Évora. Actualmente vive em Aviz e é Directora de Produção de uma empresa dedicada à Canábis para fins medicinais.

Como foi o seu percurso até iniciar funções na actual empresa?
Na grande área que é as ciências farmacêuticas, a minha dúvida desde o início foi: o que me vejo a fazer durante a minha vida profissional. Como não sabia responder a esta questão “teoricamente” resolvi ir atrás da resposta na prática. Comecei em farmácia comunitária, numa farmácia que se estava a instalar de início, estive depois em farmácia hospitalar, incluindo a montagem da farmácia hospitalar de um centro de medicina e reabilitação. Por motivos pessoais, regressei depois a farmácia comunitária e trabalhei no início da Linha Saúde 24. Quando optei por mudar-me para o Alentejo, surgiu a oportunidade de trabalhar na distribuição farmacêutica, primeiro como gestora de clientes, depois como diretora técnica de uma plataforma de distribuição. A mudança para a indústria deu-se em 2019, primeiro de dispositivos médicos, e desde 2021, em canábis medicinal.

Como é o dia-a-dia no trabalho?
O meu dia começa 6ª feira da semana anterior, a planear o meu trabalho e da minha equipa, para a semana seguinte, para que todos saibam as suas tarefas no dia-a-dia. Como diretora de produção, parte do trabalho é de planeamento e coordenação, garantindo que todo o trabalho é feito de acordo com os requisitos da empresa e das boas práticas de fabrico. Contudo, estou também muito envolvida na parte operacional, para que o planeamento e desenvolvimento das tarefas seja o mais próximo possível da realidade.
De que forma os Farmacêuticos podem ser mais activos na área da Canábis Medicinal?
Estamos perante um medicamento à base de plantas, em que a matéria-prima é um ser vivo e é difícil aplicar as regras farmacêuticas à agricultura. Penso que os farmacêuticos podem ser muito importantes a fazer esta ponte entre a agricultura e a indústria farmacêutica.
Das experiências de trabalho anteriores qual destaca como a mais gratificante?
A área hospitalar foi a mais gratificante para mim. Para os utentes, a maior parte do trabalho do farmacêutico hospitalar desenvolve-se um bocado na sombra, mas é um dos garantes que a “arma terapêutica” que são os medicamentos estão disponíveis e são utilizados corretamente. Nos dois hospitais onde trabalhei penso que os farmacêuticos davam um excelente contributo para o funcionamento dos mesmos e para a ajuda na resolução das situações clínicas dos utentes.
Por que motivo decidiu trabalhar em zonas de baixa densidade? Era uma ambição antiga?
Sim, era um sonho antigo, viver num sítio onde cumprimentamos e somos cumprimentados por toda a gente, onde podemos andar, literalmente, com os pés na terra, e as mãos também.
Quais são os principais atractivos a nível profissional?
Não são. Penso que seja um círculo vicioso, há poucas oportunidades porque não há gente, não há gente porque há poucas oportunidades. Talvez em farmácia comunitária seja mais gratificante trabalhar numa zona onde os utentes não estão sempre com pressa e têm mais disponibilidade para receber e dar informações sobre a sua saúde, mas mesmo nesta área as ofertas são poucas.
E a nível pessoal?
A oferta de atividades desportivas e culturais, por exemplo, pode não ser tão extensa como numa área de maior densidade populacional. Contudo é muito mais acessível. No meu caso, os dias de semana também são uma azáfama, mas aos fins-de-semana podemos aproveitar melhor os passeios no campo, apanhar fruta das árvores… Tenho três filhos pequenos, pelo que as horas livres são essencialmente passadas em atividades conjuntas com eles.
E as maiores dificuldades?
A falta de transportes públicos, para qualquer lado que queiramos ir, temos de ir de carro. E quem não tem carro? Como vai à farmácia, ao médico, ao Banco, às compras…
A proximidade da fronteira é uma vantagem ou há pouca relação com Espanha?
A cidade espanhola mais próxima é Badajoz, é raro lá ir mas muitas pessoas daqui vão às compras (mais opções), comprar combustível (é mais barato). É interessante compararmos o desenvolvimento desta cidade espanhola do interior com as capitais de distrito do nosso Alentejo…
Quais foram as situações mais difíceis que presenciou em contexto laboral?
Falta de companheirismo, quem faz as instituições são as pessoas que lá trabalham. Quando a equipa é coesa, tem os mesmos objetivos e há respeito mútuo, independentemente da posição hierárquica, funciona. Quando tal não acontece… Também já estive numa empresa com dificuldades financeiras e é muito difícil manter o ânimo e a motivação nesta situação.
Nunca ponderou emigrar? Chegou a ter algum tipo de proposta?
Sim, quando terminei o curso a minha ideia era “por as mãos na massa” e depois emigrar para um país menos desenvolvido, onde pudesse disponibilizar os meus conhecimentos e experiência num contexto onde a necessidade fosse maior. Cheguei a ter mais que uma oportunidade de voluntariado mas, por um motivo ou por outro, acabou por não se concretizar. Agora, em termos pessoais é complicado mas, não está esquecido, está guardado para quando for possível. Com a situação atual do nosso país voltei a pensar nisso, mas desta feita para um local onde o nosso trabalho seja mais valorizado e a carga fiscal associada não seja tão pesada.
Como vê a evolução da profissão farmacêutica em termos globais?
Tem de evoluir em conjunto com a dos outros profissionais de saúde. Cada qual tem a sua área de intervenção e, para o todo funcionar, as partes têm de interagir e de trabalhar em conjunto.
De que forma os currículos das faculdades de farmácia se deviam adaptar para dotar os futuros farmacêuticos de melhores instrumentos para responder aos desafios da longevidade, das patologias mentais, da desinformação, do acesso aos sistemas de saúde e das novas tecnologias?
Das situações expostas ressalto a desinformação do acesso aos sistemas de saúde. É uma situação que no interior, onde tudo é longe e onde muitas pessoas não têm destreza digital, tem muito impacto. A longevidade, e longevidade com saúde, é sem dúvida um enorme desafio na nossa sociedade. Tanto numa situação como na outra os currículos das faculdades devem focar os farmacêuticos mais na promoção da saúde, além do tratamento da doença, e promover a partilha e troca de experiências entre os vários futuros profissionais de saúde.