João Silva: um Farmacêutico na Indústria

João Silva: um Farmacêutico na Indústria

Fez parte da Associação de Estudantes e do Gabinete de Informação, Promoção e Educação para a Saúde (GIPES) da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa e iniciou a sua actividade profissional numa farmácia comunitária ao mesmo tempo que estagiava na empresa Galderma. Depois desta experiência foi trabalhar para a Sanofi, mais tarde para a Omega Pharma, Labesfal e Udifar. Actualmente ocupa o cargo de Innovation & Business Excellence Partner na AstraZeneca.

João Silva na AstraZeneca 

Como foi o seu percurso até iniciar funções na indústria farmacêutica? 

Iniciou-se assim que acabei a Faculdade, ao mesmo tempo que trabalhava numa farmácia comunitária na baixa lisboeta, estava em simultâneo a realizar um estágio de marketing numa empresa da área de dermatologia.

Em linhas gerais como é o seu dia de trabalho? 

Parece que é a resposta típica, mas é verdade: “Não há um dia igual!”. Até porque com o trabalho híbrido o que se faz em cada dia é bastante diferente. Os dias no escritório são mais dedicado a reuniões ou a interações com colegas e enquanto dos dias em que trabalho a partir de casa são mais dedicados a realizar tarefas que exigem mais concentração, como implementar projetos, trabalhar em relatórios ou preparar alguma documentação que seja necessária para os dias de trabalho que terei pela frente 

Quais são os principais atrativos da indústria para os farmacêuticos? 

O que acho mais interessante na indústria é a perspetiva de carreira, seja em termos de progressão, como também nas diversas funções que podemos ir desempenhando ao longo da nossa vida profissional. Há também a possibilidade de se conhecer muitas realidades diferentes, dependendo do tipo de empresa em que se está e, na minha perspetiva, uma maior capacidade de gerirmos os nossos compromissos extra-trabalho já que temos maior flexibilidade nos horário de trabalho (não confundir com trabalhar menos).

E as dificuldades? 

Penso que as dificuldades são iguais em todos lados. Sendo que as dificuldades, encaro-as como possibilidades de sermos melhores amanhã do que aquilo que fomos ontem. 

Porque escolheu a Indústria em vez da Farmácia Comunitária?

Após quase 3 anos  em farmácia comunitária estava a ver os meus dias muito parecidos e senti que tinha procurar um novo desafio. Como já tinha alguma experiência em Indústria quis experimentar essa realidade. Mas na verdade poderia ter sido uma outra área qualquer. Quando nos sentimos demasiado cómodos em determinado desafio é altura de procurar algo diferente. 

Quais os aspetos que lhe deixaram mais saudades na Farmácia Comunitária? 

Sem dúvida que ter um contacto tão próximo com os utentes da farmácia é a experiência mais enriquecedora que podemos ter nesta profissão. Guardo na minha memória com satisfação vários momentos onde tive uma intervenção na vida daquela pessoa que sei que contribuí para um dia e uma saúde melhores. Os menos bons? Também são relacionados com o contato com público. Falta de formação e educação também existiram, mas foram claramente uma exceção que não beliscam minimamente todos os momentos bons. Além disso estas situações menos agradáveis também são aprendizagens para o futuro. 

O que deveria melhorar em Portugal para impulsionar a Indústria Farmacêutica? 

Existem muitos dados em Portugal sobre saúde, mas não existe informação nem conhecimento bem estruturado. Coligir, harmonizar e disponibilizar toda a informação existente em Portugal era algo que iria trazer um benefício gigantesco a todo o sistema de saúde e também à Indústria Farmacêutica, que cada vez mais está focada em trazer soluções e propostas de valor para a área da saúde em detrimento da mera transação de medicamentos. Havendo esta capacidade garantidamente que a Indústria e outros pilares da área da saúde iriam ganhar.  

Como foram as experiências no estrangeiro?

No âmbito de um programa de desenvolvimento existente na minha empresa, tive a oportunidade de trabalhar em Espanha durante 6 meses. O modus operandi é semelhante a Portugal, mas a dimensão, os recursos alocados e os projetos são de uma dimensão 4 a 5 vezes superiores ao nosso, o que acaba por impressionar. Outra grande diferença que notei é que, fruto desta dimensão, os colegas de empresa de Espanha são mais especialistas em determinadas áreas enquanto que em Portugal acabamos por ter uma abrangência maior. Estas são experiências que nos valorizam profissionalmente e pessoalmente e que recomendo que todos possam ter. 

Aconselhava o curso de Ciências Farmacêuticas? 

Já entrei para a faculdade há quase 30 anos e a realidade de então é muito diferente da realidade de hoje. O futuro revela-se mais incerto o que torna tudo mais desafiante e interessante. Portanto, na minha perspetiva, acho que mais importante do que o curso é importante conseguirmos adaptar-nos a realidades diferentes, a quebrarmos conceitos enraizados e não acharmos que é apenas um curso que vai definir a nossa profissão no futuro. Acho que nos devemos focar na capacidade de aprender, na capacidade de abraçarmos desafios diferentes e em não ter nada como adquirido. Independentemente disto, acho que o curso de Ciências Farmacêuticas é extremamente rico, porque nos ensina a aprender e não apenas a memorizar, tem uma parte teórica mas também uma grande parte prática e é muito abrangente naquilo que é a diversidade de conhecimentos. Como tal, acho que é uma excelente escolha. 

Quais as memórias que guarda do trabalho na Associação de Estudantes? 

Das coisas que mais gostei na faculdade foi de ter sido da Associação de Estudantes durante 3 anos. As causas associativas, o entregar algo à comunidade e trabalhar para um bem comum, sempre foi algo que fez muito sentido para mim. A AEFFUL foi a primeira experiência semi-profissional que tive, o que me preparou melhor para o futuro e me permitiu ter um contato mais próximo com colegas diferentes, bem como o desempenho de funções que não teria enquanto estudante. Pode parecer estranho o que vou dizer, mas acho que enquanto desenvolvimento pessoal e até mesmo profissional foi tão importante como o próprio curso em si. 

Como vê a evolução da profissão farmacêutica?

É importante que a comunicação com o utente tenha uma componente mais humana. Devemos ter isto ter em conta enquanto profissionais de saúde. Somos seres humanos e precisámos de comportamentos humanos. Seja na farmácia, em consultas médicas ou na realização de exames, estamos a esquecer-nos do relacionamento humano e estamos a dirigir-nos para interações meramente transacionais. Não olhamos para as pessoas como um todo, mas sim para a situação. Esquecemo-nos do contexto que uma situação tem em concreto para aquela pessoa. Para mim, que valorizo tanto este aspeto, estamos a perder-nos naquilo que nos diferencia das máquinas. A empatia devia ser tão ou mais valorizada do que a qualidade do serviço. Pode ser que com o implementação da IA na área da saúde, libertemos a “transação” para a máquina e nos foquemos novamente nos comportamentos humanos. Curiosamente em outras áreas quase que acontece o contrário: há uma tendência de valorizar a experiência, a personalização quase em detrimento da qualidade do produto final. 

Quais são os planos para os próximos anos?

Sentir-me feliz, sentir que estou a evoluir, sentir-me rico em todos os aspetos pessoais e profissionais. A parte profissional é algo muito importante da nossa vida, mas é só uma parte da nossa vida e não toda a nossa vida. Sem dúvida que quero ainda aprender muito, que quero fazer coisas diferentes e garantidamente que quero desempenhar funções e tarefas diferentes. Acredito também que algures no tempo, irei dar um rumo totalmente diferente à minha carreira e abraçar uma área que nada terá a ver com a Indústria Farmacêutica. 

João Silva numa actividade radical