Wearables, Tecnologia e o Exercício no domicílio: Uma revolução na Saúde Pública

Wearables, Tecnologia e o Exercício no domicílio: Uma revolução na Saúde Pública

Artigo escrito por Hugo Vizinha

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Nos últimos anos, a integração entre tecnologia digital e exercício físico em casa deixou de ser tendência para se tornar um eixo central da promoção de saúde pública. Um estudo publicado na BMC Public Health em 2025 revela a amplitude dessa transformação, com mais de 300 artigos analisados entre 2000 e 2024. Esta área de investigação ganhou uma maior relevância durante a pandemia de COVID-19 e pelo avanço das tecnologias de monitorização remota.

A investigação sobre o exercício físico realizado em casa com apoio de tecnologia digital — conhecido como home-based exercise (HBE) — tem registado um crescimento exponencial desde o início do século. Entre 2000 e 2024, o número de estudos aumentou de forma acentuada, atingindo o pico em 2022, impulsionado pela pandemia de COVID-19. A partir desse momento, o ritmo de publicações abrandou, mas com um salto qualitativo evidente: o campo entrou numa fase de consolidação científica, marcada por maior rigor metodológico e foco na aplicabilidade clínica.

“A investigação sobre o exercício físico realizado em casa com apoio de tecnologia digital — conhecido como home-based exercise (HBE) — tem registado um crescimento exponencial desde o início do século.”

Uma análise bibliométrica de 311 estudos identificou sete grandes eixos tecnológicos que sustentam esta evolução. A primeira é o treino inteligente e a reabilitação remota, onde programas personalizados baseados em inteligência artificial (AI) e sensores permitem ajustar o esforço e a progressão de acordo com as necessidades individuais. Estes sistemas têm demonstrado eficácia em contextos complexos, como a reabilitação de doentes cardíacos ou em recuperação de doentes com cancro colorretal.

Segue-se a prevenção de quedas com IA, um campo em rápida expansão, no qual algoritmos analisam o equilíbrio e o movimento de pessoas idosas, contribuindo para uma redução significativa no risco de quedas e hospitalizações. Os wearables representam outro avanço decisivo, ao possibilitar uma monitorização precisa de parâmetros musculoesqueléticos e da adesão ao treino, aproximando o treino no domicílio dos padrões do acompanhamento clínico ou pela clínica de fisioterapia presencial.

A realidade virtual surge como ferramenta promissora na reabilitação de doenças neurológicas e na recuperação cognitiva, criando ambientes imersivos que estimulam o cérebro e o corpo em simultâneo. Já as aplicações móveis de saúde (mHealth) ganharam destaque pela sua capacidade de apoiar a saúde cardiovascular e mental, oferecendo planos de exercício, registos de bem-estar e comunicação direta com profissionais. Em oncologia, os sistemas de rastreio e acompanhamento digital permitem monitorizar pacientes durante e após a quimioterapia, avaliando fadiga, função muscular e níveis de atividade, o que melhora a qualidade dos cuidados prestados.

Por fim, o diagnóstico remoto de doenças vasculares periféricas está a tornar-se uma realidade através de ferramentas online capazes de detetar precocemente alterações circulatórias, abrindo caminho a intervenções médicas mais rápidas e eficazes.

Conjugadas, estas sete frentes tecnológicas demonstram que o exercício no domicílio deixou de ser uma alternativa improvisada para se tornar um componente essencial da medicina preventiva e da reabilitação moderna. A adesão a este tipo de práticas de exercício físico regulares depende tanto de apoio social e orientação profissional como da literacia digital e design das plataformas.

A privacidade dos dados e o acesso à tecnologia são barreiras emergentes. Segundo Zhou et al., o futuro passa por modelos híbridos que combinem supervisão clínica e autonomia digital, garantindo eficácia e inclusão.

Entre o humano e o digital: o segredo da adesão
Os resultados acumulados demonstram impactos positivos consistentes. Os programas digitais de exercício no domicílio têm melhorado a função física, a adesão ao treino e a qualidade de vida, sobretudo entre pessoas idosas, cardíacas e oncológicas. Estudos clássicos como os de Dracup et al. (2007) e Anwer et al. (2016) já apontavam ganhos significativos na capacidade funcional e redução da dor articular, respetivamente.

A adesão a estas práticas depende de um equilíbrio entre fatores humanos e tecnológicos. De um lado, os determinantes tradicionais — como o apoio social, a motivação, a orientação profissional e as condições físicas; do outro, os digitais — incluindo literacia tecnológica, acessibilidade, design das interfaces, proteção de dados e qualidade da tutoria virtual. Segundo os autores, estes elementos formam um verdadeiro “modelo de via dupla”, em que o sucesso depende da interação harmoniosa entre o humano e o digital.

O futuro: saúde preditiva e personalizada
O estudo antecipa ainda três paradigmas emergentes que poderão redefinir o futuro do exercício no domicílio: o HBE de precisão, baseado em personalização por inteligência artificial com dados fisiológicos em tempo real; os ecossistemas integrados de cuidado, que conectam aplicações, dispositivos vestíveis e registos clínicos eletrónicos; e a manutenção preditiva da saúde, que utiliza algoritmos de previsão para detetar precocemente sinais de deterioração física.

Apesar do entusiasmo, o avanço não está isento de desafios. Persistem desigualdades no acesso às tecnologias, preocupações com a privacidade dos dados de saúde e uma escassez de validação empírica em populações não ocidentais. Este último ponto, deixa o alerta da necessidade da revolução digital na saúde seja, acima de tudo, inclusiva.

“As tecnologias digitais transformaram o exercício no domicílio, um componente essencial da saúde pública moderna.
O futuro passa por intervenções híbridas, que combinem a eficácia clínica tradicional com a inovação digital, promovendo acessibilidade, personalização e sustentabilidade.”

Um novo paradigma
O estudo conclui que o exercício no domicílio, apoiado por tecnologia, está a transitar de uma prática reativa para uma estratégia proativa de manutenção da saúde, com potencial de reduzir custos hospitalares e aumentar a longevidade saudável., A convergência entre IA, wearables e plataformas digitais marcará uma nova era na saúde preventiva e na reabilitação personalizada.

Referências
Anwer S, Alghadir A, Brismée JM. Effect of home exercise program in patients with knee osteoarthritis: a systematic review and meta-analysis. J Geriatr Phys Ther. 2016;39(1):38–48.

Crepaldi A et al. Foot temperature by infrared thermography in patients with peripheral artery disease before and after structured home-based exercise. J Pers Med. 2023;13(9):1312.

Dracup K et al. Effects of a home-based exercise program on clinical outcomes in heart failure. Am Heart J. 2007;154(5):877–83.

Glavas C et al. Exploring the feasibility of digital voice assistants for home-based exercise in older adults with obesity and type 2 diabetes. JMIR Aging. 2024;7(1):e53064.

Kim S et al. Precision medicine–based machine learning analyses to explore optimal exercise therapies for individuals with knee osteoarthritis. J Rheumatol. 2023;50(10):1341–5.

Zhou T, Zhang S, Liu S, Yu J. Digital technology integration in home-based exercise: a systematic review of research evolution, applications, and impact mechanisms. BMC Public Health. 2025;25:3528.